terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Ilusão do Fracasso - Ciência, Universidade & Cartas de Rejeição.


O mundo se afastou para a mundanidade (Weltlichkeit), e desse fato é preciso partir”. Rüdiger Safransky (2005) 

A “saia de cartas de rejeição” para normalizar o fracasso.

A função da compreensão na práxis da vida é análoga àquela problematização que emerge de expectativas frustradas; mas em um caso o critério da decepção é o fracasso de uma ação finalista-racional controlada pelo sucesso, no outro trata-se de embaraços de um consenso, isto é, da desconformidade de expectativas recíprocas entre, no mínimo, dois sujeitos agentes sociais. As intenções das duas orientações de pesquisa distinguem-se de forma correspondente: no primeiro caso máximas comportamentais, as quais fracassaram frente à realidade, devem ser submetidas por regras técnicas comprovadas; no segundo caso trata-se de interpretar manifestações vitais incompreensíveis e que bloqueiam a reciprocidade de expectativas comportamentais. Enquanto o experimento eleva os controles pragmáticos cotidianos, aplicados às regras de uma atividade instrumental ao nível de uma forma metódica à verificação, a hermenêutica equivale à maneira científica do agir interpretativo do cotidiano. Não há dúvida que no exercício de tal habilidade, o domínio da arte hermenêutica permanece em menos graus dependente “do virtuosismo pessoal” do que esse é o caso do domínio de operações mensuráveis. A compreensão hermenêutica tem, de acordo com sua estrutura, o objetivo de assegurar, no seio das tradições culturais, uma autoconcepção dos indivíduos e dos grupos, suscetível de orientar a ação e o entendimento recíproco de diferentes grupos e indivíduos.  

Uma carta é um manuscrito social entre pessoas, de cunho particular, que descreve uma comunicação escrita de cunho particular. O manuscrito não deve ser confundido com outras formas de escrita através da utilização da máquina de escrever. A invenção do dispositivo de escrever mecanicamente é atribuída a Henry Mill em 1714. O italiano Pellegrino Turri introduziu, em 1808, o sistema de teclado. Depois, o mecânico norte-americano Carlos Thuber criou um modelo aperfeiçoado, com maior rapidez de escrita (1843). O termo manuscrito é usado para o texto original de um escritor, poeta, ensaísta, político, em oposição ao texto técnico editado posteriormente por outras pessoas que não o autor. A circulação da carta exigiu a criação de serviço postal permanente, público ou privado, que reconheceu um notável desenvolvimento desde a Roma antiga. Como gênero textual é pari passu um meio e processo de trabalho estruturado em comparação a outros meios de comunicação escrita. Na descrição o processo de trabalho e processo de comunicação compõe-se de emissor=remetente, destinatário=receptor, de local de recepção, data de envio, saudação, corpo do manuscrito, despedida e assinatura. Mas, pode ser classificada a particularidade: carta pessoal, comercial, oficial, acadêmica, profissional política, entre outras modalidades. 

 

Criado com o intuito de aumentar a compreensão mútua nas relações entre estudantes norte-americanos e de outros países através do intercâmbio de conhecimentos e habilidades, o Programa Fulbright é patrocinado pela secretaria de Relações Educacionais e Culturais do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América e mantido pelo Institute of International Education. Suportes adicionais ao programa são oferecidos por parceiros políticos do governo, fundações, empresas e instituições do ensino superior norte-americanas e de outros locais do mundo ocidental, inclusive do Brasil. Existe uma comissão brasileira do programa de bolsas, a Comissão Fulbright no Brasil, para promover intercâmbios educacionais entre estudantes brasileiros e norte-americanos. Fundada em 1957, a entidade binacional é um dos parceiros do governo brasileiro na implementação do programa Ciência de Fronteiras. A colaboração entre os dois programas proporciona oportunidades de bolsas de estudo em universidades como a Harvard, Auburn, Cornell, Purdue, entre outras. A Ivy League representa um grupo formado por oito das universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos, a saber: Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Universidade da Pensilvânia, Princeton e Yale. Muitas delas também figuram nas listas de melhores universidades elaboradas por organizações como a QS e a Times Higher Education.

            Os escritos medievais consagraram um mito ilusório poderoso, as chamadas Ilhas Afortunadas ou Ilhas Bem-aventuradas, que representaram nas mitologias grega e céltica, o deleitável paraíso que para o poeta grego Hesíodo eram os lugares que acomodavam os Elísios, uma região abençoada, onde os heróis e as almas favorecidas eram recebidos pelos deuses após a morte. É um lugar praticado abençoado, onde reinam primavera eterna e juventude eterna, onde homens e animais convivem harmonicamente em paz. Essas ilhas, de acordo com as tradições fenícia e irlandesa, encontram-se a oeste do mundo ocidental reconhecido. Os fenícios as designaram com o nome Braaz e os monges irlandeses as chamaram de Hy Brazil. Entre 1325 e 1482, os mapas incluem a oeste da Irlanda e ao sul dos Açores a Insulla de Brazil ou Isola de Brazil, essa terra afortunada e bem-aventurada que a Carta de Pero Vaz de Caminha descreveu ao comunicar a El-Rei o achamento do Brasil. Um pouco mais tarde, historicamente virá surgir o nome do lugar e, com esse nome, se nomeia a primeira riqueza mercantil chamada pau-do-Brasilpau-brasil. Foi achado o Brasil. A Carta de Caminha é o documento e gênero textual no qual Caminha registrou as suas impressões etnográficas sobre a terra que viria a ser chamada de Brasil.  É o primeiro documento escrito da história do Brasil. A carta conservou-se inédita por mais de dois séculos no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa.

Foi descoberta, em 1773 por José de Seabra da Silva e publicada pelo historiador Manuel Aires de Casal na sua Corografia Brasílica (1817), uma obra clássica da bibliografia brasiliana onde se imprimiu pela primeira vez a Carta de Pero Vaz de Caminha. Anunciada pela primeira vez na Gazeta do Rio de Janeiro em 1815, onde se fazia apelo aos subscritores, foi impressa com dificuldade, paga pelo seu autor, chegando mesmo a haver uma queixa escrita pelo Pe. Joaquim Damazo, diretor da Biblioteca Pública, pela demora e falta de interesse na publicação da obra. Costuma ser considerado o marco inicial da obra poética escrita sobre o Brasil, pois, para ser obra literária, precisaria ter características irreais, já que a Carta é fruto da imaginação individual (sonho) e coletiva (os mitos, os ritos, os símbolos), mas também um documento histórico e político que descreve a realidade do território vista aos olhos do escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral. Caminha enviou a carta para o rei D. Manuel I (1469-1521) para comunicar-lhe, na ótica da conquista, o que se chamou “descobrimento” das terras. Datada de Porto Seguro, no litoral da Bahia de acordo com o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, no dia 1° de maio de 1500, foi levada a Portugal por Gaspar de Lemos, comandante do navio de mantimentos da frota. Há 520 anos, o navegador português e tripulação enfrentaram tormentas, calmarias e doenças. A frota de Cabral era formada por nove naus, três caravelas e uma naveta de mantimentos. Além do formato das velas, o que diferenciava uma embarcação da outra era o tamanho: enquanto as caravelas mediam 22 metros de comprimento e transportavam até 80 homens, as naus podiam chegar a 35 metros e tinham capacidade para 150 tripulantes. Dos 1,5 mil homens que zarparam de Portugal, apenas 500 conseguiram voltar sãos e salvos para casa. - A praia das lágrimas para os que vão. A terra do prazer para os que voltam. - É assim que os portugueses costumam se referir ao Porto do Restelo, em Lisboa, de onde partiram as expedições de Vasco da Gama, em 1497 e de Pedro Álvares Cabral, em 1500.

Os navios da esquadra de Cabral que estiveram nas costas brasileiras em 1500 eram algumas das mais sofisticadas máquinas disponíveis à humanidade. Tinham uma complexa tecnologia propulsora baseada em um conjunto de mastros e velas que proporcionava boa capacidade de manobra e movimentação em mar alto. Equipamentos de navegação como bússola e astrolábio facilitavam ao navio se afastar das costas. O armazenamento de víveres permitia um planejamento para que se percorressem longas distâncias. O armamento de canhões de carregar pela boca com pólvora e balas esféricas dava um poder de fogo sem rival no resto do planeta. As grandes navegações incluíam a mística da cruzada cristã com interesse mercantil. Para o empreendimento dar certo, era necessária uma base tecnológica adequada. Todos esses fatores estavam representados entre os cerca de 1.500 homens que tripulavam os 13 navios da frota cabralina. A maneira como esses navios eram habitados, navegados e comandados resumia-se em um universo múltiplo e fechado do empreendimento civilizatório português. No comando supremo estavam os fidalgos aristocratas. Religiosos embarcados cuidavam de manter a bordo o enorme poder que a Igreja tinha em Portugal. Havia técnicos especializados em navegação, como os pilotos, que eram as pessoas mais importantes a bordo depois do capitão e ninguém podia interferir no seu julgamento sobre as manobras do navio. Seu local de trabalho era uma cadeira que ficava ao lado da agulha de marear.

Na peculiaridade histórica brasileira, a camada dirigente atua em nome próprio, servida dos instrumentos políticos derivados de sua posse do aparelhamento estatal. Ao receber o impacto de novas forças sociais, a categoria estamental as amacia, domestica, embotando-lhes a agressividade transformadora, para incorporá-las a valores próprios, muitas vezes mediante a adoção de uma ideologia diversa, se compatível com o esquema de domínio. A mudança econômico-social, possível e ajustável à estrutura política, opera-se até esgotar-se o ânimo criador que inspirou a ascensão da dinastia de Avis no século XIV. O centro do mundo desloca-se, na consciência dos atores, para o pequeno palco lusitano, mas poderoso com a utilização da nau, com um mundo desconhecido aos seus pés. Este foi seu momento criador, envolvendo todos os quadrantes numa visão egocêntrica, suscitando imitadores e notáveis epígonos. De tal ânimo, já sombreado da saudade desesperada, infundindo pela tentativa que acabaria em pó e fumaça, vibra o poema: Os Lusíadas. É uma obra de poesia épica do escritor português Luís Vaz de Camões, considerada a epopeia portuguesa por excelência. Provavelmente concluída em 1556, foi publicada pela primeira vez em 1572 no período literário do Humanismo, três anos após o regresso do autor do Oriente. A obra foi impressa pela primeira vez, em 1572 em Lisboa, tendo sido realizadas 34 obras que se encontram espalhadas por três continentes.

O poema épico mais genuíno é o canto da construção duma nação com a ajuda de Deus ou dos deuses. Os Lusíadas, como ocorre com a Eneida, é uma epopeia moderna, em que o maravilhoso não passa dum artifício necessário, mas aparentemente só literário. A fé única no Deus cristão é defendida por toda a obra. O poema pode ser lido numa perspectiva que já era antiga, mas a que factos recentes haviam dado acrescida atualidade, a da Cruzada contra o mouro. As lutas no Oriente seriam a continuação das que já se haviam comparativamente travado em Portugal e no Norte de África, dominando ou abatendo o poder do Islão. O próprio movimento civilizatório dos chamados “descobrimentos” surgiu em seu ersatz numa lógica de combate ao poderoso Império Otomano que ameaçava a Europa cristã, incapaz de vencer o inimigo em guerra aberta. Os objetivos passavam por fazer uma concorrência comercial aos muçulmanos, ao mesmo tempo ganhando proveitos e debilitando a economia dos rivais. Mas também se ambicionava encontrar aliados dos europeus nas novas terras, que poderiam ser eles mesmos cristãos, ou passíveis de conversão. Cada um dos tipos ideais de discurso neste poema evidencia particularidades estilísticas concretas. Dependendo do assunto que tratam, o estilo pode ser heroico e exaltado, empolgante, lamentoso e melancólico, humorístico, admirador. 

Caitlin Kirby, de 29 anos, imprimiu 17 de suas cartas de rejeição – entre elas haviam recusas institucionais de bolsas de estudo de pós-graduação, periódicos acadêmicos de referência e conferências. Depois de dobrá-las e transformá-las em saia, uma peça do vestuário mais utilizada por mulheres para cobrir apenas uma parte das pernas, “sua intenção era mostrar que é possível sentir orgulho de nós mesmos, normalizar a rejeição e ter orgulho de superá-las”. A inspiração veio da própria orientadora – Julie Libarkin, professora da disciplina Ciências Terrestres e Ambientais na Michigan State University, uma universidade pública norte-americana localizada na cidade de East Lansing, no estado de Michigan, fundada em 1855, que costuma incentivar a aceitação do fracasso em seus alunos. A orientadora acredita que é importante na formação acadêmica que os alunos adquiram o hábito de que ao se candidatar no processo seletivo da universidade, possam se acostumar com o sentimento de rejeição, quando os incentiva a perseguir a oportunidade que surgir em seu caminho. Se o aluno não obtiver a bolsa ou a vaga no jornal acadêmico? Tudo bem. Eles ainda terão aprendido algo importante no processo. A prova de que é possível dar a volta por cima e se reinventar a cada passo e na formação teórica é a própria Caitlin Kirby, que desde seu doutorado, ganhou uma bolsa Fulbright para desenvolver pesquisa sobre agricultura urbana na Alemanha. 

Em sua história social em 1954, quando foi criada, a Ivy league era apenas uma agremiação que reunia os grupos esportivos das instituições. Mas, ganhou importância, virou sinônimo de excelência acadêmica e objeto de desejo de estudantes ao redor do mundo. Na tradução literal, Ivy League quer dizer Liga da Hera. E é exatamente a isso que a expressão se refere. Hera é aquela planta que cresce em paredes, e as universidades mais antigas e tradicionais do noroeste dos Estados Unidos se identificavam por possuírem diversos prédios com esta decoração. Comparativamente se parece também com as tradicionais Red Brick Universities, que são as universidades mais tradicionais do Reino Unido. E que, não por acaso, se identificam pelos tijolos avermelhados. Todos os anos, desde 1960, os alunos se reúnem durante uma semana para o chamado Green College Concerts, que são concertos organizados de primavera ao ar livre. Já se apresentaram por lá músicos renomados, como Bob Dylan, Bruce Springsteen, U2, e R.E.M., que deriva de Rapid Eye Movement, o estágio do sono no qual ocorrem os sonhos, que Stipe selecionou aleatoriamente em um dicionário. É uma banda de rock norte-americana formada em Athens, Geórgia, em 1980, pelo vocalista Michael Stipe, guitarrista Peter Buck, baixista Mike Mills e pelo baterista Bill Berry. Uma das primeiras bandas populares do rock alternativo, o R.E.M. ganhou atenção, em seus primórdios devido aos arpejos de guitarra de Peter Buck e aos vocais de Stipe.             

A questão acadêmica, dentre outras que se colocam é a seguinte. Poucos imaginam estudar onde Albert Einstein ensinou. O físico judeu era um dos professores Associados do Instituto de Estudos Avançados de Princeton em 1955, quando morreu. Durante seis meses de cada ano letivo, os alunos tinham o privilégio de ter aulas com ele. Filho de um pequeno industrial judeu, em 1880 mudou-se com a família para a cidade de Munique. Seus pais Hermann Einstein e Pauline Koch eram de família tradicional de judeus. O caráter e a biblioteca do pai foram importantes na formação de Albert Einstein (1963). Nos primeiros anos de vida teve dificuldades para se expressar através da fala e era lento para aprender, fato que, durante algum tempo, deixou seus pais preocupados. Nos primeiros anos escolares, Einstein não se destacava nem pelas notas nem pela regularidade com que ia à escola. Com seis anos de idade, incentivado pela mãe, começou a estudar violino. Cedo se destacou no estudo da física, matemática e filosofia. Aos nove anos ingressa no Luitpold Gymnasium, uma escola secundária em Munique. Foi fundada pelo príncipe Luitpold da Baviera em 1891 como Luitpold-Kreisrealschule para servir a parte oriental da cidade e seus subúrbios. 

Ficava na Alexandrastrasse em frente ao Museu Nacional, onde se interessa por geometria e álgebra, matérias nas quais progride. Aos doze anos é um considerado um gênio das matemáticas, mas lê avidamente Leibniz, figura central na história da matemática e na história da filosofia, Immanuel Kant que “operou”, na epistemologia uma síntese entre o racionalismo continental, onde impera a forma de raciocínio dedutivo e a tradição empírica inglesa de Hume, Locke, ou Berkeley, que valorizam a indução e David Hume que se opôs a ratio de Rene Descartes e às filosofias que consideravam o espírito humano desde um ponto de vista teológico-metafísico. Um fato curioso em sua démarche escolar é que foi paradoxal para seus mestres, que nem sempre sabiam responder as suas perguntas e nem refutar seus questionamentos tanto políticos quanto existenciais. A física, comparada com as ciências da natureza, faz parte de um complexo de instituições de importância na sociedade contemporânea, não só em função do vulto dos investimentos, como também do contingente humano, do número e da diversidade de organizações comprometidas com sua expansão.

Os físicos constituem hoje um grupo de profissionais socialmente prestigiados, formados em organizações próprias. Dispõem de enormes facilidades de trabalho, como laboratórios, bibliotecas, serviços de intercâmbio e divulgação de informações etc., os quais, em muitos aspectos sociais, têm superado as vantagens conquistadas por grupos profissionais mais tradicionais na cultura ocidental, como advogados e médicos. Como possuía caráter individualista e alheio à disciplina prussiana, acaba sendo expulso do Gymnasium. Aos 16 anos abandona a religião judaica que está na obediência espiritual aos mandamentos divinos estabelecidos nos livros sagrados, uma vez que para eles, isso é fazer a vontade de Deus e demonstrar respeito e amor pelo criador. O judaísmo é a religião monoteísta que possui o menor número de adeptos no mundo, ipso facto tornando-se livre de qualquer tipo de imposição autoritária em sua formação. Ainda que fosse de família judia, Albert Einstein tinha um pensamento sobre religião que foi moldado durante sua estada em Zurique, na Suíça, quando os livros do filósofo Spinoza, caíram em suas mãos. Ali depreendera que o Deus de Spinoza era amorfo e impessoal, responsável pela ordem no universo e pela beleza da natureza.

    Em 1905, quando concluiu o treinamento de doutorado, Albert Einstein submeteu para a Revista Anais de Física, em Leipzig, trinta folhas com quatro artigos, entre eles a formulação inicial da sua famosa Teoria da Relatividade, que revelaram ao mundo ocidental uma nova visão do Universo, e propôs uma formula para a equivalência entre massa e energia a célebre equação E = mc², pela qual a energia (E) de uma quantidade de matéria, com massa (m), é igual ao produto da massa pelo quadrado da velocidade da luz, representada por (c). Seus estudos e questionamentos supõem o princípio da teoria atômica e da energia nuclear. Após a publicação dos artigos seu talento é reconhecido. Com 30 anos, tornou-se professor de Física na Universidade de Zurique e no ano seguinte estava lecionando na Universidade de Praga do Império Austro-Húngaro. Em 1912 ocupou a cadeira de Física, da Escola Politécnica Federal da Suíça. Em 1913, foi nomeado professor para a Universidade de Berlim, diretor do Instituto Kaiser Wilhelm de Física e membro da Academia de Ciências da Prússia. Enquanto outras academias, como por exemplo a Royal Society de Londres ou a Académie des Sciences e a Academia Francesa de Paris, se limitavam a determinadas áreas científicas, a academia da Prússia foi a primeira na qual as ciências naturais e humanas foram contempladas igualmente desde o início. A divisão em classes introduzida pela primeira vez na Academia Prussiana serviu de exemplo na fundação de outras academias. De 1710 a 1830 houve na academia duas classes para ciências naturais e matemática bem como duas classes para ciências humanas.  

De 1830 a 1945 existiram somente duas classes, a classe de física-matemática e a classe filosófico-histórica. As classes acadêmicas e o plenário onde os membros da academia se reuniam para aconselhamento científico, eram os grêmios decisórios da Academia de Ciências da Prússia. Em 25 de novembro de 1915, ele subiu ao palco da Academia de Ciências da Prússia e declarou ter concluído sua exaustiva pesquisa de uma década em busca de um entendimento novo e mais profundo da gravidade. A Teoria da Relatividade Geral, afirmou Einstein, com sabedoria e determinação que ela estava pronta. A nova radical concepção das interações técnicas e sociais entre espaço, tempo, matéria, a energia e a gravidade foi um feito reconhecido como uma das maiores conquistas intelectuais da humanidade. Em 1919, Einstein tornou-se reconhecido em todo o mundo, depois que sua teoria foi comprovada em experiência realizada durante um eclipse solar. Em 1921, Einstein foi agraciado com o Prêmio Nobel de Física por suas contribuições singulares à física teórica e, especialmente por sua descoberta da lei do efeito fotoelétrico. No dia 10 de novembro de 1922, durante a cerimônia de entrega do Nobel de Física, Einstein estava no Japão e infelizmente não pode recebê-lo pessoalmente. Foi representado, na cerimônia de entrega do prêmio, pelo embaixador alemão na Suécia.    

Caitlin Kirby foi recebida com “olhares curiosos” de seus professores ao entrar na sala onde defenderia sua tese de doutorado na Michigan State University. Ela começou explicando seu traje: sua saia era uma peça de roupa feita à mão, na altura do joelho, feita com 17 cartas de rejeição que ela havia recebido nos últimos cinco anos. As cartas, que Kirby amarrou com fitas e anexadas a tule, eram rejeições por e-mail de outros programas de doutorado, bolsas de estudos e revistas acadêmicas onde ela esperava publicar artigos. Ela tinha outros, mas ela usou os melhores para sua saia. Kirby estava literalmente vestindo seus defeitos, e era catártico. A saia comunicou o que sua apresentação não comunicou: o processo cansativo e acidentado pelo qual ela passou em seu caminho para seu grande momento na frente de um comitê de cinco professores. - “A apresentação da dissertação é nesta forma narrativa, onde parece que tudo correu bem no meu processo do início ao fim”, disse Kirby, 28 anos, que nos últimos 4 anos e meio é doutoranda em ciências e políticas ambientais. - “Então, eu queria algo em minha apresentação que mostrasse que realmente não é assim. Existem muitos obstáculos ao longo do caminho”. Tanto o público quanto seus professores adoraram e riram de sua engenhosidade e bravura. Ela ficou grata por isso e ainda mais por terem aceitado sua dissertação, que examina como as pessoas e as organizações tomam decisões sobre o meio ambiente. - “Definitivamente ressoou nas pessoas mais do que eu esperava”, disse Kirby sobre a criatividade de sua roupa.

A primeira definição histórica da palavra fracasso, tem sua origem na Itália, no ano de   1707. Fracasso deriva de uma forma de combinação originalmente ocorrida no Italiano entre as palavras latinas frangere, “quebrar” e quassare, “sacudir, chacoalhar, bater repetidamente”, e, por extensão “ameaçar, quebrar”. Os critérios para o fracasso dependem largamente do contexto social de uso, e podem ser relativos ao observador particular ou sistema de crenças. Um contexto no qual o fracasso é frequentemente usado é a qualificação na formação da vida de um indivíduo, isto é, o fracasso pode ser percebido de forma distinta do ponto de vista de seus avaliadores. Uma pessoa que só esteja interessada no resultado final de uma atividade poderia considerá-la como um “fracasso de resultado” se o assunto central não tiver sido resolvido, ou uma necessidade básica não for satisfeita diante de uma coletividade. Um fracasso também pode ser interpretado mediante um “fracasso de processo”, segundo o qual, embora a atividade seja completada com sucesso, uma pessoa pode ainda assim sentir-se insatisfeita se o processo subjacente for percebido como estando abaixo de um determinado padrão global. Na sociedade contemporânea, de individualismo possessivo, e sobretudo, fóbico, o estímulo permanente da competitividade leva a particularidade que o fracasso seja visto como estigma.

No processo social de comunicação existem momentos em que se prefere ignorar algo que ocorre ao nosso redor para evitar um conflito de opiniões. Não se pode confundir as práticas dos rituais com seu sentido. A “surdez particularizada” é uma prática pela qual optamos em diversas situações em nossas vidas e, independente do motivo que nos leva a praticá-la. Isso acontece com uma frequência maior do que gostaríamos de admitir nas Instituições que são em sua essência moral ou política. A “surdez seletiva” pode decorrer de um efeito social na formação de um coletivo que produz insegurança ou arrogância. Quando manifestada pode causar desmotivação sobre quem é atingido e, posteriormente, o desengajamento social. O indivíduo que foi acometido por essa surdez seletiva corre o risco de eventualmente não validar no processo a relação entre o meio e a mensagem. Ocasionando em perda que fez com que o indivíduo não ouvisse o outro o que não permite aceitar o erro, ficando o fardo dentre aqueles que passam por um constrangimento nessa experiência vital. E como ocorre de fato a chamada surdez seletiva? Pela via autoritária. O individualismo é um conceito político, moral e social que exprime a afirmação e a liberdade do indivíduo frente a um determinado grupo, à sociedade ou ao Estado. Em princípio, opõe-se a toda forma de autoridade ou controle sobre os indivíduos e coloca-se em total oposição ao coletivismo, no que concerne à propriedade intelectual.

O individualista (cf. Macpherson, 1979) pode permanecer dentro da sociedade e de organizações que tenham o indivíduo como valor básico. Embora as organizações e as sociedades, contraditoriamente carreguem outros valores, não necessariamente individualistas, pois não são necessários o elo que cria um estado de permanente tensão entre o indivíduo e essas instâncias econômica e política de vida social. O exercício da liberdade individual implica múltiplas escolhas, que, nas sociedades contemporâneas globalistas, frequentemente estão associadas a um determinado projeto político. Indivíduos desenvolvem seus projetos dentro de um campo de possibilidades e dado um certo repertório sociocultural - que inclui ideologias, visões de mundo e experiências de classe sociais, grupamentos, ethos ou castas, dimensões nas quais o indivíduo se insere. Nas sociedades contemporâneas, uma vez que o indivíduo se constitui na relação social com o outro e em função de várias experiências e papéis sociais, participando de vários mundos, a sua personalidade não é um monólito: o indivíduo não é um mas representa muitos, em função de suas circunstâncias. Historicamente fora preciso definir o indivíduo, destacando-o da esfera do coletivo que seguramente o constitui e lhe dá sentido. O individualismo remonta ao contrato social e às origens do pensamento democrático, com John Locke e Jean-Jacques Rousseau e a rejeição do poder político legitimado pelo direito dinástico de herança, ou pela vontade divina. Consolida-se assim a concepção de indivíduo como um ser uno, livre e responsável por seus próprios atos, nascendo o cidadão moderno, célula mínima do Estado democrático, que lhe garante contratualmente direitos e deveres.

A matriz latina da palavra autoridade responde como auctoritas que refere a ordem, opinião, influência. A raiz da palavra remonta a fundação, referente a fazer, crescer e auctor, no sentido de que aquele constituído por autoridade dispõe de autoria e autonomia em suas ações que repercutem e influenciam determinados contextos. O vocábulo poder de origem latina, denota a capacidade de uma ação investida pela potência de empreender e decidir; o sujeito empoderado influencia, decide e lidera determinados contextos. O campo etimológico ilustra diferenças entre esses dois termos e também de terem sido percebidos como sinônimos. O poder está relacionado à vida pública, cuja falta de uma participação anuncia sua privação, ressaltando uma impotência. O poder se diferencia de violência, que, por sua vez, distingue-se de autoridade, apesar de comumente apresentarem-se juntos, a utilização de mecanismos de violência anuncia a ausência de poder e autoridade. O poder não pode tudo e nem tampouco tudo sabe. A tecnologia que tem emprego social através do poder disciplinar opera sob a forma de vigilância, de hierarquização e de inspeção, por dois âmbitos institucionalizados: corpo-organismo e disciplina-instituições. Nessa perspectiva, o enfoque disciplinar prevalece no processo de treinamento de individualização dos corpos para tornarem-se obedientes e dóceis; assim como no interior das instituições como escola, hospital, quartel, oficina, dentre outras.


            A diferença entre o indivíduo pessoal e o indivíduo contingente, mutatis mutandis, lembravam Marx e Engels (2007), não é uma diferença de conceito, mas sim um fato histórico. E essa diferença tem diferente sentido segundo as diferentes épocas, conforme ocorre, por exemplo, com o estamento, algo casual para o indivíduo no século XVIII, e também, plus ou moins, com a família. Não é um a diferença que não precisamos estabelecer para todos os tempos, mas que a cada tempo é estabelecida de per si entre os diferentes elementos contra os quais se encontra, e por certo não segundo o conceito, mas sim obrigada pelas colisões materiais da vida. O que para a época posterior parece casual se comparado à anterior e também, portanto, entre os elementos que passaram da anterior a ela, é uma forma de intercâmbio que correspondia a um determinado desenvolvimento das forças de produção. A relação entre as forças de produção e a forma de intercâmbio é aquela que medeia entre esta e a atividade ou a ocupação dos indivíduos. A organização diferenciada da vida material depende, em cada caso naturalmente, das necessidades desenvolvidas, e tanto a criação como a satisfação dessas necessidades per si um processo, que não encontraremos em nenhuma ovelha nem em nenhum cão - argumento principal e recalcitrante de Max Stirner adversus homínem, ainda que as ovelhas e os cães em sua forma sejam também, por certo, malgré eux, produtos de um processo histórico. 

            Em países que, assim como a América do Norte, começam desde o princípio em sua época histórica já bem avançada, ao contrário, o processo de desenvolvimento acontece assaz\rapidamente. Esses países não têm mais premissas naturais do que os indivíduos que ali se instalam como colonizadores, movidos a isso pelas formas de intercâmbio dos países antigos, que não correspondem mais as suas necessidades. Começam, pois, com os indivíduos mais progressistas dos países antigos e, por consequência, com a forma de intercâmbio mais desenvolvida, correspondente a esses indivíduos, antes mesmo que essa forma de intercâmbio possa se impor nos países antigos. É isso o que acontece com todas as colônias, quando não se trata de simples estações militares de comércio. Cartago, as colônias gregas e a Islândia dos séculos XI e XII são exemplos disso. E uma situação parecida acontece também em caso de conquista, quando se transplanta diretamente ao país conquistado a forma de intercâmbio desenvolvida sobre outro solo; enquanto em seu país de origem esta forma se achava ainda impregnada de interesse e relações procedentes de épocas anteriores, aqui, ao contrário, pode e deve se impor totalmente e sem o menor obstáculo, entre outras razões para assegurar o poder dos conquistadores de um modo estável. Todas as colisões da história nascem, portanto, segundo esta concepção, da contradição entre as forças de produção e a forma de intercâmbio. 

         Não por acaso não queremos perder de vista que a hermenêutica filosófica de Heidegger descreve o cunho propriamente dito de suas preleções nietzschianas. Isto é, por meio de uma palavra que ele utiliza e que demonstra sua centralidade no contexto das questões ontológicas formuladas nesse ínterim: a palavra é Auseinandersetzung, que significa confronto, conflito, polêmica, debate, disputa, e que está sendo interpretada como confrontação. Em certo sentido, a riqueza do original alemão, traduzido ao pé-da-letra significa “pôr-se à parte um do outro”, como ocorre na ciência e na universidade contemporânea, indicando claramente o surgimento de um afastamento necessário entre ambos, mas evidenciando per se uma “tomada de posição” indispensável para a plena consideração crítica daquilo que se demonstra e para a formação do processo de interpretação. É sempre preciso se afastar de algo para poder vê-lo em sua identidade. Todavia, o afastamento mantém incessante a tensão específica, que é expressa pelo elemento inerente à confrontação, à dissenção, à discussão e à batalha das ideias. Não se trata de maneira nenhuma da tolice sociológica da “neutralidade científica” ou de um ponto de vista neutro, que permitiria uma visão pura e objetiva de algo dado. Decerto inexiste em ciência e filosofia, sendo muito mais de um distanciamento que instaura ao mesmo tempo a questão tópica da proximidade, como ocorre de Marx à Heidegger (cf. Axelos, 1979). 

           Na universidade o homem de certo modo habita e não habita. Se por habitar entende-se simplesmente uma residência. Quando se fala em habitar, representa-se costumeiramente um comportamento que o homem cumpre e realiza em meio a vários outros modos de comportamento. Não habitamos simplesmente, mas construir significa originariamente habitar. E a antiga palavra construir (bauen) diz que o homem é à medida que habita. Mais que isso, significa ao mesmo tempo: proteger e cultivar, a saber, cultivar o campo, cultivar a vinha. Construir significa cuidar do crescimento que, por si mesmo, dá tempo aos seus frutos. No sentido de proteger e cultivar, construir não é o mesmo que produzir em oposição ao cultivo, construir diz edificar. No sentido de habitar, ou construir, permanece, para a experiência cotidiana do homem. Aquilo sempre é linguagem de forma tão exclusiva e bela, habitual. Isto esclarece porque acontece na história do homem um construir por detrás dos múltiplos modos de habitar, por detrás das atividades de cultivo e edificação. Em que medida construir pertence ao habitar? Quando construir e pensar são indispensáveis para habitá-lo. Ambos são, no entanto, insuficientes para habitá-lo se cada um se mantiver isolado, cuidando do que é seu ao invés de escutar um ao outro. Ipso facto construir e pensar pertence ao habitar. Permanecem em seus limites. Sabem, quando aprendemos a pensar, que tanto um como outro provém da obra de uma longa experiência de convívio disciplinar e de um exercício incessante de pensar.                

A interpretação dessa compreensão mediana do ser só pode conquistar um fio condutor com a elaboração do conceito do ser. É a partir da claridade do conceito e dos modos de compreensão explícita nela inerentes que se deverá decidir o que significa essa compreensão.  Quer do ser obscura e ainda não sendo esclarecida. E quais espécies de obscurecimento ou impedimento, são possíveis e necessários para um esclarecimento explícito do sentido do ser. A imediata compreensão do ser vaga e mediana pode também estar impregnada de teorias tradicionais e opiniões sobre o ser, de modo que tais teorias constituam, secretamente, fontes primárias de compreensão geral dominante. O procurado no questionamento do ser em sua essência não é algo inteiramente desconhecido, embora seja, de início, algo completamente inapreensível. O questionado da questão a ser elaborada é o ser, o que determina o ente como ente, como o ente já é sempre compreendido, em qualquer discussão que se pretenda. O ser dos entes não é em si apenas a idealização de outro. Se questionado o ser exige um modo próprio de demonstração que se distingue essencialmente da descoberta de um ente. Em consonância, o sentido do ser, requer também uma conceituação própria que, por sua vez, também se diferencia dos conceitos em que o ente alcança a determinação efetiva de seu significado.

Na medida em que o ser se constitui o questionado e ser diz sempre “ser de um ente”, o que resulta como interrogado na questão do ser é o próprio ente. Este ente é como que interrogado em seu ser. Mas para se poder apreender sem falsificações os caracteres de seu ser, o ente já deve se ter feito acessível antes, tal como é em si mesmo. Quanto ao interrogado, a questão do ser exige que se conquiste e assegure previamente um modo adequado de acesso ao ente. Chamamos de ente, afirma Heidegger, muitas coisas e em sentidos diversos. Ente é tudo que falamos, tudo que entendemos, com que nos comportamos dessa ou daquela maneira, ente é também o que e como nós mesmos somos. Ser está naquilo que é como é, na realidade, no ser simplesmente dado (Vorhandenheit), no teor e recurso, no valor e validade, na pre-sença, no “há”. Em qual dos entes deve-se ler o sentido do ser? De que ente deve partir a saída para o ser? O ponto de partida é arbitrário ou será que um determinado ente possui primazia na elaboração da questão do ser? Qual é este ente exemplar e em que sentido possui primazia?

O ente pode vir a ser determinado em seu ser sem que, para isso, seja necessário já dispor de um conceito explícito sobre o sentido do ser. A pressuposição do ser possui o caráter de uma visualização preliminar do ser de tal maneira que, nesse modo visual, o ente previamente dado se articule provisoriamente, em seu mediato ser. Essa visualização do ser orientadora do questionamento, nasce da compreensão cotidiana do ser em que nos movemos desde sempre e que, em última instância, pertence à própria constituição essencial da pre-sença. Tal pressuposição nada tem a ver com um pró-estabelecimento de um princípio do qual se derivaria, por dedução, uma conclusão. Ah! não pode haver “círculo vicioso” na colocação da questão sobre o sentido do ser porque não está em jogo, na resposta, uma fundamentação dedutiva, mas uma exposição de-monstrativa das fundações. Na questão sobre o sentido do ser não há “círculo vicioso” e sim uma “repercussão ou percussão prévia” do questionado (o ser) sobre o próprio sentido de questionar enquanto modo de ser do ente determinado. Ser atingido essencialmente pelo questionado pertence ao sentido mais autêntico da questão do ser. Isso, porém, significa apenas que o ente, dotado de caráter da presença, traz em si mesmo uma remissão talvez até privilegiada à questão do ser. No entanto, não se prova o primado ontológico de um determinado ente? É que para Heidegger, “o ser é sempre o ser de um ente”.

O homem não percebe o que, de há muito, já está acontecendo, e está acontecendo, num processo, cujo dejeto mais recente é a bomba atômica e sua explosão. Horror e terror, lembra Heidegger (2007), é o poder que joga para fora de sua essência, sempre vigente, tudo o que é e está sendo. Em que consiste este poder de horror e terror? Ele se mostra e se esconde na maneira como, entendemos hoje, tudo está em voga e se põe em vigor, quando percebemos que a proximidade dos seres estar ausente. Que há com a proximidade? Como poderemos fazer a experiência da vigência? Parece que a proximidade não é algo que, direta e imediatamente, se possa encontrar. O que, assim, se consegue é, antes, o próximo, que se acha nas proximidades. Na proximidade, está o que costumamos chamar de coisa. O homem não pensou a coisa, em seu modo de ser coisa, como não o fez também com a proximidade. Coisa é uma jarra. Que é uma jarra? – Nós dizemos: um receptáculo, algo que recebe outro dentro de si, um recipiente. O que, na jarra, recebe é parede e fundo. Pode-se perceber o recipiente como receptáculo. A jarra subsiste em si por si mesma. O ser e estar em si por si mesma caracteriza a jarra, como o subsistente. Quando entendemos a subsistência de um subsistente, a jarra se distingue de um objeto qualquer, isto é, de algo que subsiste por opor-se e contrapor-se a um sujeito.

Um subsistente pode tornar-se objeto, quando o colocamos diante de nós, seja na recepção imediata, seja na presentificação da memória. A jarra, na verdade, só subsiste como receptáculo à medida que foi conduzida a ser e estar em si mesma. Sem dúvida, é o que aconteceu e acontece numa condu-ção especial, por saber, pela pro-dução. O oleiro molda a jarra com a argila escolhida especificamente da terra e preparada para a moldagem. A jarra é feita de argila. Com a argila de que é feita, a jarra pode repousar no chão da terra, seja diretamente, seja indiretamente, sobre uma mesa ou banco. A pro-dução faz a jarra subsistir em si. Tomando, assim, a jarra, como um receptáculo pro-duzido, nós a tomamos, na verdade, como uma coisa, e não, como simples objeto, ao menos é o que parece. O subsistir em si por si mesmo parecia caracterizar a jarra, como coisa. Na verdade, porém, pensamos o ser e estar em si pela pro-dução e a partir dela. Pois a subsistência é a meta a que via a pro-dução. Neste sentido, pensa-se a subsistência, ainda e apesar de tudo, pela objetividade, embora o opor-se e contrapor-se do objeto pro-duzido já não se baseie numa simples percepção que aparece no ato de sua representação. Da objetividade técnica do objeto e da subsistência em si, nenhum caminho leva ao modo próprio de ser coisa da coisa imanente, a noção de coisalidade.

A questão é para nós: que é o coisal da e na coisa? Que é a coisa em si mesma? Somente depois de pensar a coisa, como coisa, é que se pode chegar à coisa em si mesma. Nesse sentido, a jarra é uma coisa, como receptáculo. Sem dúvida, o recipiente do receptáculo necessita ser pro-duzido. Todavia, ser produzido pelo oleiro não constitui nem perfaz, de forma alguma, o ser próprio da jarra, à medida que e enquanto o seu ser é a jarra. A jarra não é o receptáculo por ter sido produzida, ao contrário, ela teve de ser pro-duzida, por ser e para ser este receptáculo, que é uma jarra. É, com certeza, a pro-dução, que deixa a jarra intro-duzir-se no modo próprio de seu ser. Contudo, este modo próprio de ser da jarra nunca tem sua propriedade da pro-dução. Liberada dos vencilhos da moldagem, a jarra se recolhe e concentra seu conteúdo em receber. Esta é a questão chave, abstrata, para entendermos o método de Heidegger. Certamente, no processo de pro-dução, a jarra tem de apresentar, primeiro, ao o perfil (ιδέα) e a fisionomia de seu ser. Esta apresentação de ser no perfil e na fisionomia pro-dutor de jarra só a distingue e caracteriza, dentro da perspectiva, em que o receptáculo a ser pro-duzido se põe, quando encara o processo pro-dução. O que o modo de ser do receptáculo, que se deixa ver no perfil de jarra, é e o que a jarra é, como esta coisa propriamente dita jarra, isso nunca se deixa experimentar e muito menos pensar na perspectiva presente do perfil. A etimologia de receptáculo remete-nos para a língua latina, mais precisamente para o vocábulo receptacŭlum.

O conceito é usado para designar o oco ou a concavidade que serve para conter algum tipo de substância ou elemento.   Um receptáculo, de alguma forma, pode ser qualquer superfície ou espaço que permite armazenar algo. O receptáculo do baú de um automóvel é o sítio onde uma pessoa pode guardar os bolsos quando vai viajar, só para citarmos uma possibilidade. Um móvel, por outro lado, pode ter vários receptáculos para depositar diferentes objetos.  Dentro do âmbito da botânica, o receptáculo é o sector do pedúnculo que, graças ao seu ensacamento, permite a inserção do cálice, da coroa e outras partes das flores. O conceito é usado como sinónimo de tálamo. A forma deste receptáculo varia de acordo com a posição evidente do ovário. Por conseguinte, é possível encontrar receptáculos de diferentes características. A ideia de receptáculo também pode ser usada em sentido figurado. Um jornalista pode afirmar que o futebolista Lionel Messi é o “receptáculo da ilusão” dos argentinos uma vez que estes confiam em que este jogador, com as suas boas atuações, permita que a seleção nacional se consagre no Campeonato Mundial ou noutro torneio. Os Argentinos, por conseguinte, depositam em Messi as suas esperanças de conseguir um êxito desportivo.

É que a apresentação de um vigente, como pro-duto e/ou como objeto, nunca chega até a coisa, como coisa. O ser coisa da jarra está em ser um receptáculo. Enchendo a jarra, percebemos logo o recipiente do receptáculo. Fundo e paredes se ocupam, claramente, da recepção. Ao encher a jarra de vinho, será mesmo que vazamos o vinho nas paredes e no fundo? No máximo, derramamos o vinho entre as paredes e sobre o fundo. Parede e fundo são, certamente, o impermeável do receptáculo. Impermeável ainda não é, porém, recipiente. Ao encher a jarra, o líquido vaza para dentro da jarra vazia. O vazio é o recipiente do receptáculo. O vazio, o nada da jarra, é que faz a jarra ser um receptáculo, que recebe. É o vazio da jarra que determina todo tocar e apreender da pro-dução. O ser coisa do receptáculo não reside, de forma alguma, na matéria, de que consta, mas no vazio, que recebe. A ciência faz da coisa-jarra algo negativo, enquanto não deixar as coisas serem a medida e o seu parâmetro.         

O conhecimento da ciência, que é constrangente em seu âmbito, ou seja, o setor dos objetos, já anulou as coisas, como coisas, muito antes da bomba atômica explodir. Esta explosão é, apenas, a confirmação mais grosseira dentre todas as outras, de que a anulação da coisa, de há muito, já aconteceu. É a afirmação de que a coisa, como coisa, virou nada. Esta redução a nada inquieta tanto, por trazer consigo uma dupla cegueira: antes de qualquer outra experiência, ela atinge o real em sua realidade; por criar a ilusão de que, apesar da pesquisa científica do real, as coisas pudessem continuar sendo coisas, o que o pressuporia que elas já tivessem vigido e estado em vigor, como coisas. Em que se baseia e assenta o ser-jarra da jarra? De repente, o perdemos de vista e justamente no momento em que predominou a ilusão de que a ciência nos pudesse esclarecer sobre a realidade da jarra real. Representamos a ação do receptáculo, o que nele há de receptivo, a saber, o vazio, como um espaço oco cheio de ar. Tal é, na perspectiva da física, o vazio real. Mas não é o vazio da jarra. Não levamos em conta o que é o recipiente do receptáculo. Não pensamos o modo em que a própria recepção vigora em si mesma. Então, como é que o vazio da jarra recebe? Ele recebe, acolhendo o que ele vaza. Ele recebe, retendo o recebido. O vazio recebe de apenas de dois modos: acolhendo e retendo.

Por isso, o verbo receber é ambíguo. Tanto o acolher da vaza como o reter do vazado pertencem, porém, reciprocamente um ao outro. Sua união se determina pelo vazar com que se acha em sintonia a jarra, como jarra. Assim, a recepção dupla do vazio repousa, portanto, na vaza. Somente como vaza é que a recepção se faz e se torna tal como ela é. O vazar da jarra é doar. É no doar da vaza que vige e vigora o recipiente do receptáculo. Todo receber necessita do vazio, como recipiente. A vigência do vazio recebedor se recolhe e concentra em doar. É que doar é mais rico do que simplesmente dispensar. O doar reúne em si aquela dupla recepção e recolhe à vaza. É simples: chamamos de montanha uma reunião de montes. Assim também chamamos de doação a reunião daquela dupla recepção na vaza, que em conjunto, constitui e perfaz, então a vigência pela e completa da doação. A doação da vaza pode ser uma bebida. Então ela dá água, ela dá o vinho para beber. A doação da vaza representa a bebida para os mortais. É ela que lhes resguarda a sede. É ela que lhes refrigera o lazer. É ela que lhes alegra os encontros, a convivência. Mas, às vezes, o dom da jarra se doa na e para uma consagração. Desta vez, a vaza de sagração não mata a sede, acalenta a celebração da festa, no aconchego do alto. A doação da vaza nem se doa numa tenda nem se faz bebida dos mortais.

Agora a vaza se torna uma poção dedicada aos imortais. A doação da vaza se encontra, na poção, o dom, em sentido próprio. É o dom da poção consagrada que, ao vazar, a jarra vive, como doação dispensatriz de dons.  Enfim, na doação da vaza, no sentido de bebida, segundo Heidegger, vivem, a seu modo, os mortais. Na doação da vaza, entendida como oferenda, vivem, a seu modo, os imortais, que recebem, de volta na doação da oferta, a doação da dádiva. Na doação da vaza, vivem terra e céu. Na doação da vaza, vivem, em conjunto, terra e céu, mortais e imortais. Os quatro pertencem, a partir de sua união, a uma conjunção. Antecipando-se a todos os seres, eles se conjugam numa única quadratura de reunião. Na doação da vaza, vive a simplicidade dos quatro. A doação da vaza doa à medida que deixa morar, numa moradia, terra e céu, mortais e imortais. Mas morar já não diz agora a simples permanência de algo meramente dado. Morar apropria propriedades. Leva os quatro à clareira do próprio ser de cada um. A partir de sua simplicidade, da forma concebida de representação desta, eles se recomendam e se confiam reciprocamente uns aos outros. É na reunião desta recíproca fiança que eles se desvelam e des-cobrem que são o que são. A doação da vaza deixa morar, na simplicidade, a quadratura dos quatro. Nesta doação vive e vigora a jarra, como jarra.

A dupla recepção, o recipiente, o vazio e a vaza, como libação de oferenda. O que se recolhe, na doação, recolhe-se a si mesmo, ao deixar e para deixar morar a quadratura na apropriação de sua propriedade. Dá-se o nome de mundo a este jogo em espelho, onde se apropria a simplicidade da terra e céu, de mortais e imortais. Mundo é mundo, no vigor que instaura o mundo, que, portanto, mundaniza. Sua particularidade reside em que não se pode explicar a mundanização do mundo por um outro e nem se pode perscrutar-lhe o fundamento em outro ou a partir de outro. Esta impossibilidade não provém de uma incapacidade de explicar e fundamentar do pensamento humano. É simples: causa e fundamento estão em desacordo com paráfrase da mundanização de mundo. Nesta dissonância, repousa a impossibilidade de explicar, tanto quanto de fundamentar a tópica da mundanização do mundo. Ao exigir aqui uma explicação, ainda que provisoriamente, o conhecimento humano não se põe acima, mas abaixo da vigência de mundo. O querer explicar do homem não alcança a unidade simples da singularidade unitária do mundanizar. Ao serem representados como um real particular, diante do finito, fundando-se e explicando-se um pelo outro, os quatro conjugados são sufocados em sua vigência essencial. A união da quadratura representa o quarteto.

Todavia, o quarteto não se dá nem acontece, abraçando os quatro e ajuntando-se lhes, ao depois, nesse abraço. O quarteto também não se esvai e esgota, por estarem os quatro, uma vez determinados, apenas um junto dos outros. O quarteto vive na apropriação do jogo e como jogo de espelho dos quatro, que se fiam estando como fundamento de confiança e confiam no compromisso recíproco de unir o desdobramento. Na época da conferência intitulada: “Mundanidade: um Conceito de Deus, sobre a vivência da cátedra, ocorre o distanciamento de Heidegger do catolicismo. A 9 de janeiro de 1919 ele escreve ao amigo dos dias de comunhão do catolicismo, Engelbert Krebs, agora professor de dogma católico em Freiburg. – É difícil viver como filósofo - a veracidade interna em relação a si mesmo, e àqueles dos quais devemos ser professor, exige sacrifício e renúncias e lutas que sempre serão estranhas ao operário da ciência. Creio ter a vocação interna para a filosofia, e pela sua realização na pesquisa e ensino sobre a eterna destinação do homem interior – e só para isso devo empregar minhas forças e justificar até diante de Deus minha existência e minha atuação” (cf. Safransky, 2007: 143).

O jogo do espelho do mundo se concentra na roda de dança da apropriação. E é por isso que a dança não abarca simplesmente os quatro num aro. A dança de roda é o nó (der Ring) de luta que se torce, retorce e contorce no jogo de espelho. Apropriando, o nó de luta ilumina os quatro, no brilho de sua simplicidade. Na luz do brilho, o nó apropria os quatro, abrindo-lhes, por toda parte, para o mistério da vigência. A vigência concentrada do jogo de espelho do mundo assim em luta é o nó que se concentra em pouco (das Gering). Pelo nó do jogo de espelho, que se concentra em pouco, os quatro se desdobram e ajustam à sua vigência unificante, mas própria de cada um. Nesta flexibilidade eles se ajuntam dóceis, mundanizando mundo. A coisificação da coisa se dá na apropriação de propriedades, pelo jogo de espelho e reflexo do nó que se concentra no pouco de sua luta. A coisa leva a quadratura a perdurar. A coisa coisifica mundo, no sentido de concentrar, numa simplicidade dinâmica, as diferenças.

Cada coisa leva a perdurar a quadratura em cada duração da simplicidade do mundo. A ausência da proximidade em toda supressão dos afastamentos conduziu ao império da falta de distância. Nesta relação de poder a aproximação da proximidade é a única dimensão própria conjugada do jogo de espelho do mundo. Quando e como as coisas chegam, como coisas? Não chegam através dos feitos e dos artefatos do homem, mas também não chegam, sem a vigilância dos mortais. O primeiro passo na direção desta vigília é o passo atrás, o passo de um pensamento apenas, representativo, isto é, explicativo, para o pensamento meditativo, que pensa o conteúdo de sentido. Esta passagem de um pensamento para outro não está apenas em simples troca de posição. Algo assim já não pode acontecer nunca porque as posições, junto com seus modos de troca, já estão presas ao pensamento representativo. O passo atrás abandona todo o nível de um simples posicionar-se. Atrás instala-se numa correspondência que, interpelada pelo ser mundo dentro do mundo, respondendo-lhes em seu próprio âmbito.

Metodologicamente Martin Heidegger é incisivo: questionaremos a técnica. Isto quer dizer, através do pensamento abstrato trabalhar na construção de um caminho. Por isso a tendência é conselheira: considerar sobretudo o caminho e não ficar preso às várias sentenças e aos diversos emaranhados de títulos. O caminho e do pensamento. Todo caminho de pensamento passa, de maneira mais ou menos perceptível e de modo extraordinário, pela linguagem. Questionando a técnica pretende-se com isto preparar um relacionamento livre com a técnica. Livre é o relacionamento capaz de abrir nossa Pre-sença à essência da técnica. Da resposta à essência é possível fazer a experiência dos limites do que é técnico. Assim adverte que a técnica não é igual à essência da técnica. Assim também a essência da técnica não é, de forma alguma, nada de técnico. A maneira mais teimosa de nos entregarmos à técnica, de acordo com uma lição antiga, é entendermos que a essência de alguma coisa é aquilo que ela é, como aquilo que é afirmativo na dialética hegeliana. Questionar a técnica significa perguntar o que ela é. Pertence à técnica a produção e o uso de ferramentas, aparelhos e máquinas, como a ela pertencem estes produtos e utensílios em si mesmos e as necessidades a que eles servem. O conjunto de tudo isso é a técnica. A própria técnica é também um instrumento. Enfim, a concepção corrente da técnica de ser ela um meio de trabalho e uma atividade humana pode se chamar, portanto, a determinação instrumental e antropológica do uso da técnica pela ciência.

Friedrich Hegel que parte da análise da consciência comum, não podia situar como princípio primeiro uma dúvida universal que só é própria da reflexão filosófica. Por isso mesmo ele segue o caminho aberto pela consciência e a história detalhada de sua formação. Ou seja, a Fenomenologia vem a ser uma história concreta da consciência, sua saída da caverna e sua ascensão à Ciência. Daí a analogia que em Hegel existe de forma coincidente entre a história da filosofia e a história do desenvolvimento do pensamento, mas este desenvolvimento é necessário, como força irresistível que se manifesta lentamente através dos filósofos, que são instrumentos de sua manifestação. Assim, preocupa-se apenas em definir os sistemas, sem discutir as peculiaridades e opiniões dos diferentes filósofos. Na determinação do sistema, o que o preocupa é a categoria fundamental que determina o todo complexo do sistema, e o assinalamento das diferentes etapas, bem como as vinculasses destas etapas que conduzem à síntese do espírito absoluto. Para compreender o sistema filosófico hegeliano é necessário começar pela representação, que ainda não sendo totalmente exata permite, no entender de sua obra a seleção de afirmações e preenchimento do sistema abstrato de interpretação do método dialético, para poder alcançar a transformação da representação numa noção clara e exata.

Assim, temos a passagem da representação abstrata, para o conceito claro e concreto através do acúmulo de determinações. Aquilo que por movimento dialético separa e distingue perenemente a identidade e a diferença, sujeito e objeto, finito e infinito, é a alma vivente de todas as coisas, a Ideia Absoluta que é a força geradora, a vida e o espírito eterno. Mas a Ideia Absoluta seria uma existência abstrata se a noção de que procede não fosse mais que uma unidade abstrata, e não o que é em realidade, isto é, a noção que, por um giro negativo sobre si mesma, revestiu-se novamente de forma subjetiva. Metodologicamente a determinação mais simples e primeira que o espírito pode estabelecer é o Eu, a faculdade de poder abstrair todas as coisas existentes, até sua própria vida. Chama-se idealidade precisamente esta supressão da exterioridade. Entretanto, o espírito não se detém simplesmente no ato de e na apropriação, transformação e dissolução da matéria em sua universalidade. Mas, enquanto consciência religiosa, por sua faculdade representativa, penetra e se eleva através da aparência dos seres até esse poder divino, uno, infinito, que conjunta e anima interiormente todas as coisas, enquanto pensamento filosófico, como princípio universal, a ideia eterna que engendra e nelas se manifesta. Isto quer dizer que o espírito finito se encontra inicialmente numa união imediata com a natureza, a seguir em oposição com esta, e finalmente em identidade com esta, porque suprimiu a oposição e voltou a si mesmo e, consequentemente, o espírito finito é a ideia, mas ideia que girou sobre si mesma e que existe por si em sua própria realidade.

A Ideia absoluta que para realizar-se colocou como oposta a si, à natureza, produz-se através dela como espírito, que através da supressão de sua exterioridade entre inicialmente em relação simples com a natureza, e, depois, ao encontrar a si mesma nela, torna-se consciência de si, espírito que conhece a si mesmo, suprimindo assim a distinção entre sujeito e objeto, chegando assim a Ideia a ser por si e em si, tornando-se unidade perfeita de suas diferenças, sua absoluta verdade. Com o surgimento do espírito através da natureza abre-se a história da humanidade e a história humana é o processo que medeia entre isto e a realização do espírito consciente de si. A filosofia hegeliana centra sua atenção sobre esse processo e as contribuições mais expressivas de Hegel ocorrem precisamente nesta esfera, do espírito. Melhor dizendo, para Hegel, à existência na consciência, no espírito chama-se saber, conceito pensante. O espírito é também isto: trazer à existência, isto é, à consciência. Como consciência em geral tenho eu um objeto; uma vez que eu existo e ele está na minha frente. Mas enquanto o Eu é o objeto de pensar, é o espírito precisamente isto: produzir-se, sair fora de si, saber o que ele é. Nisto consiste a grande diferença de interpretação da realidade: o homem sabe o que ele é. Logo, em primeiro lugar, ele é real. Sem isto, a razão, a liberdade não são nada.

O homem é essencialmente razão. O homem, a criança, o culto e o inculto, são razão. Ou melhor, a possibilidade para isto, para ser razão, existe em cada um, é dada a cada um. A razão não ajuda em nada a criança, o inculto. É somente uma possibilidade, embora não seja uma possibilidade vazia, mas possibilidade real e que se move em si. Assim, por exemplo, dizemos que o homem é racional, e distinguimos muito bem o homem que nasceu somente e aquele cuja razão educada está diante de nós. Isto pode ser expresso também assim: o que é em si, tem que se converter em objeto para o homem, chegar à consciência; assim chega para ele e para si mesmo. A história para Hegel, é uma reconstrução que ocorre através do desenvolvimento do Espírito no tempo, assim como a Natureza representa o desenvolvimento da ideia no espaço. Deste modo o homem se duplica. Uma vez, ele é razão, é pensar, mas em si: outra, ele pensa, converte este ser, seu em si, em objeto do pensar. Assim o próprio pensar é objeto, logo objeto de si mesmo, então o homem é por si. A racionalidade produz o racional, o pensar produz os pensamentos. O que o ser em si é se manifesta no ser por si. Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda ciência, inclusive toda atividade humana, não possui nenhum outro interesse além do aquilo que filosoficamente é em si, no interior, podendo manifestar-se desde si mesmo, produzir-se, transformar-se objetivamente. Nesta diferença se descobre toda a diferença na história do mundo. Os homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o homem seja livre. Esta é a sua natureza. Isto pertence à essência do homem: a liberdade.

Uma simples troca de posições não pode propiciar, em nada, o advento da coisa, como coisa, da mesma maneira que, agora, tudo que se põe, como objeto, na ausência da distância, nunca pode simplesmente virar coisa. No entanto, sabemos que o pouco do nó que se concentra no jogo de espelho do mundo apropria o que se faz coisa. É que se aperta o nó de luta, onde o nó da terra e céu, mortais e imortais se conquista pela luta de sua simplicidade, mas que não é, de modo algum, a representação de algo simplesmente dado, pois ao ser pertence não só realidade e necessidade como também possibilidade. Em seu ersatz que segundo essa condição de possibilidade, a própria coisificação se torna flexível e a coisa se faz “andar” de forma cada vez maleável, inaparentemente dócil à sua vigência. A coisa é pouca coisa: a jarra e o banco, a prancha e o arado, mas a seu modo, é também coisa a árvore e o tanque, o riacho e o monte. Coisificando cada vez mais a seu modo, são coisas graça e corça, cavalo e touro. Coisificando cada vez mais de modo diferente, são coisas espelho e broche, livro e quadro, coroa e cruz. Poucas, as coisas também o são em representação de número, quando medidas pelo sem-número dos objetos, com igual valor por toda parte quando medidas pela desmesura da massificação dos homens como seres vivos. Apenas mortais, os homens habitam mundo, como mundo. Apenas o que de mundo se apouca torna-se coisa, pequeno nó de simplicidade.       

Está em questão a ideia de manutenção da proximidade instaurada pelo próprio afastamento quando, por exemplo, todos os professores se afastam para treinamento; também a conquista mútua de um próprio, em meio ao surgimento da tensa relação. Porquanto os dois se apartam um do outro, cada um aparece para o outro como si mesmo. Em meio a confrontação ocorre a determinação afetiva.  O impessoal precisa ser apreendido em articulação com a compreensão da técnica que se apresenta como instâncias determinantes do modo de abertura do ente na totalidade que vigora em nosso tempo. Com isso, compreensão projeta o campo existencial do poder-ser que cada ser-aí é, mas sempre levando em conta a relação filosófica com o mundo fático que se apresenta de forma tenra constitutiva das possibilidades efetivas de ser. Na Alemanha a carreira do jovem acadêmico (cf. Arrien, 2014) que porventura se dedica à ciência começa normalmente na universidade com o posto propedêutico de Privatdozent. Após o contato progressivo com os especialistas e deles recebido como jarra o assentimento de possibilidade de sua progressão social no âmbito da ciência, ele começa a lecionar como residente, à base de um livro que tenha escrito sob a forma de tese acadêmica e, habitualmente, depois de um exame formal e criterioso perante o corpo docente da própria universidade.      

Em seguida, profere um curso de preleções sem receber qualquer salário além de taxas pagas pelos alunos que se inscreverem. Cabe-lhe determinar, dentro de sua venia legendi, os tópicos sobre os quais falará. Entre norte-americanos, observava Max Weber, em 1919, que a carreira acadêmica começa quase sempre de forma totalmente diferente, ou seja, pelo cargo de Assistente. Assemelha-se esse processo ao que ocorre nas grandes instituições de Ciências Naturais e Faculdades de Medicina na Alemanha, onde habitualmente apenas uma pequena fração dos Assistentes - por mérito - procura habilitar-se como Privatdozent, e assim mesmo quase sempre no fim de sua carreira. Esse contraste significa que a carreira na Alemanha se baseia, em geral, em exigências plutocráticas, pois é extremamente arriscado para um jovem professor sem recursos econômicos expor-se às condições da carreira acadêmica. Ele terá de suportar tal situação pelo menos alguns anos, sem saber se terá oportunidade de elevar-se a uma posição que encerre uma remuneração suficiente para a sua manutenção. Ele não tem propriamente direitos, mas ali se estabelece sua consciência tácita de que, depois de anos de trabalho, tem uma espécie de direito moral a alguma consideração. O trabalhador-assistente, depende dos implementos que o Estado coloca à sua disposição; portanto, é tão dependente do chefe do Instituto quanto o empregado, comparativamente, de uma fábrica depende da direção.

A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo é considerada a grande obra de Max Weber e é o seu texto mais lido e conhecido. A primeira parte desta obra foi publicada em 1904 e a segunda veio a público em 1905, depois da viagem do autor e de sua esposa aos Estados Unidos. Analisando todo o processo em seu conjunto, Weber verifica que dos dogmas e, em especial, dos impulsos morais do protestantismo, derivados após a reforma de Lutero, surge uma forma de vida de caráter metódico, disciplinado e racional. Da base moral do protestantismo surge não só a valorização religiosa do trabalho e da riqueza, mas também uma forma de vida que submete toda a existência do indivíduo a uma lógica férrea e coerente: uma personalidade sistemática e ordenada. Sem estes impulsos morais não seria possível compreender a ideia de vocação profissional, concepção que subjaz as figuras modernas do operário e do empresário. A moral específica dos círculos protestantes possui uma relação sociológica de afinidade eletiva com o comportamento (espírito) que subjaz ao sistema econômico e, ainda que este não derive apenas deste fator unicausal, trata-se de um impulso vital para o entendimento do mundo tanto moderno quanto contemporâneo.

Receptaculum Nelumbinis.

No final da Ética Protestante, Max Weber destaca para o que nos interessa - objeto de nossa argumentação que, apesar de secularizada, ou seja, desprovida de fundamentos religiosos, a vida aquisitiva da economia moderna generalizou-se para todo conjunto da vida social: os puritanos queriam tornar-se monges, hoje todos têm que segui-los. Esta avaliação também ganha contornos críticos, pois Weber constata que a lógica da produção, do trabalho e da riqueza envolve o mundo moderno como uma “jaula de ferro” (Eisernen Käfig) e se pergunta qual o destino dos tempos modernos: o ressurgimento de velhas ideias ou profecias ou uma realidade petrificada, até que a última tonelada de carvão fóssil seja queimada? Em tons que lembram Nietzsche, ele dirá ainda sobre os homens dos tempos atuais: “especialistas sem espírito, nulidades sem coração”. Esta visão crítica do capitalismo encorajou certos pensadores marxistas como Georg Lukács, Karl Löwith, Michael Löwy a ressaltarem algumas afinidades do pensamento com a visão marxista, corrente que, sem menosprezar as sensíveis diferenças entre as duas formas de pensamento, foi sendo denominada de “webero-marxismo”.

Diferente da visão marxista, que privilegia os condicionamentos econômicos e sociais, Max Weber, coerente com uma visão multicausal dos fenômenos sociais, destaca seus fatores culturais e, concordando com Marx, também a importância dos fatores materiais no surgimento das instituições modernas. Grande parte de seu trabalho como pensador e estudioso da ética foi reservado para o chamado processo de racionalização e desencantamento do mundo, quando iniciou suas reflexões sobre a sociologia da religião. Max Weber argumentou que a religião era uma das razões não exclusivas do porque as culturas do Ocidente e do Oriente se desenvolveram de formas diversas. Ipso facto, salientou a importância das características específicas do protestantismo ascético, que levou ao nascimento do capitalismo, a burocracia e do estado racional legal nos países ocidentais. Argumentou que a religião era uma das razões não exclusivas do porque as culturas do Ocidente e do Oriente se desenvolveram de formas diversas, originais, situando a relação histórica da origem dos letrados chineses, e salientou algumas características específicas do protestantismo ascético, que levou ao nascimento do capitalismo, a burocracia e do estado racional e legal nos países ocidentais.

Não queremos perder de vista que em nível de análise dos motivos e ideias, o declínio da eficácia do saber e aprendizado teórico podem ser descritos como uma das contradições, da modernidade no mundo contemporâneo, com uma nova ambivalência da razão humana. Em nível das forças sociais e políticas, o novo conflito, que até agora se encontra ainda pouco refletido e, sobretudo pensado, principalmente em regiões fora do grande circuito de proliferação de saberes. É resultado da tendência da parte de uma classe majoritária em definir pessoas fora de uma fronteira, para proteger ao que se chama standortgebundenheit.  Assim, filosoficamente a interpretação existencial da consciência deve expor um testemunho de seu poder-ser mais próprio que está sendo na própria presença. O testemunho da consciência não é um anúncio indiferente, mas uma “apelação apeladora” do ser e estar em dívida permanente. O que se testemunha é, pois “apreendido” no ouvir que compreende o apelo sem deturpações, no sentido por ele mesmo intencionado. Apenas a compreensão do interpelar, enquanto modo de ser da presença propicia o teor fenomenal concebido do que é testemunhado no apelo da consciência. Caracterizamos a compreensão própria do apelo como “querer-ter-consciência”. Esse deixar o si-mesmo mais próprio “agir em si por si mesmo”, em seu ser e estar em dívida, representa do ponto de vista fenomenal, “o poder-ser próprio, testemunhado na presença”.

A sua estrutura existencial deve ser agora liberada numa exposição. Somente assim penetraremos na constituição fundamental da propriedade da existência que se abre na própria presença. Enfim, enquanto compreender-se no “poder-ser mais próprio”, entendemos que “o querer-ter-consciência é um modo de abertura da presença”. Além do compreender, esta se constitui de disposição e fala. O compreender existenciais significa: projetar-se para a possibilidade fática cada vez mais própria do “poder-ser-no-mundo”. Poder-ser, porém, só pode ser compreendido em existindo o si-mesmo nessa possibilidade. Nunca é demais repetir que o termo alemão be-deuten, na reflexão de Heidegger em Ser e Tempo (2005), insinua que se lhe está atribuindo uma acentuação forte a partir do étimo principal - deuten = “mostrar, apontar, interpretar”. Na analítica da mundanidade, todo ato e exercício de interpretação, indicação e demonstração se exercem a partir de um mundo já estruturado e estabelecido. Be-deuten = significar que remete então para o “movimento e processo de estruturação do mundo”. A tradução por significar e significância na derivação de Bedeut-samkeit visa a que a leitura remonte a esse nível ontológico de constituição da mundanidade. Isto quer dizer que para Heidegger entendemos que à fala pertence aquilo sobre o que se fala. Há indicações sobre algo e isso numa perspectiva em que ela diz como fala, daquilo sobre que fala como tal. Na fala, enquanto processo social de comunicação, isso é o que se torna acessível à co-presença dos outros, na maior parte das vezes, através da verbalização da língua. O que no apelo da consciência, segundo Heidegger, constitui o referido da fala, ou seja, o interpelado?

Manifestamente representa a própria presença. Essa resposta é tão indiscutível quanto indeterminada. Mesmo que o apelo tivesse uma meta tão vaga, ele ainda seria para a presença um motivo de prestar atenção a si mesma. Pertence à presença, de modo essencial, com a abertura de seu mundo, que está aberta para si mesma, de tal modo que ela sempre já se compreende. O apelo alcança a presença nesse movimento de sempre já se ter compreendido na cotidianidade mediana das ocupações. O impessoalmente do “ser-com” com os outros é também alcançado pelo apelo. A interpretação existencial da consciência deve expor um testemunho de seu poder-ser mais próprio que está sendo na própria presença. O testemunho da consciência não é um anúncio indiferente, mas uma “apelação apeladora” do ser e estar em dívida. O que se testemunha é, pois apreendido no ouvir que compreende o apelo sem deturpações por ele mesmo intencionado. Apenas a compreensão do interpelar, enquanto modo de ser da presença propicia o teor fenomenal do que é testemunhado no apelo da consciência. Caracterizamos a compreensão própria do apelo como “querer-ter-consciência”. Esse deixar o si-mesmo mais próprio agir em si por si mesmo, em seu ser e estar em dívida, representa do ponto de vista fenomenal, “o poder-ser próprio, testemunhado na presença”. Enfim, enquanto compreender-se no poder-ser mais próprio, “o querer-ter-consciência é um modo de abertura da presença”. Além do compreender, esta se constitui de disposição e fala. O compreender existenciais significa: projetar-se para a possibilidade fática cada vez mais própria do poder-ser-no-mundo. Poder-ser, porém, só pode ser compreendido em existindo nessa possibilidade.

Bibliografia geral consultada.

EINSTEIN, Albert, Comment je Vois le Monde. Paris: Éditions Flammarion, 1963; MACPHERSON, Crawford Brough, A Teoria Política do Individualismo Possessivo. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1979; AXELOS, Kostas, “Introdução ao Pensamento Futuro: Sobre Marx e Heidegger”. In: Revista Portuguesa de Filosofia, 35 (1): 1979; PATTO, Maria Helena Souza, Produção do Fracasso Escolar: Histórias de Submissão e Rebeldia. Tese de Livre Docência. Instituto de Psicologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1990; DURKHEIM, Émile, As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1999; CAMINHA, Pero Vaz de, A Carta de Pero Vaz de Caminha. Edição Quadrilíngue e Fac-símiles integrantes do Ciclo Comemorações dos 500 anos do Achamento do Brasil. Portugal: Editor Mar de Letras, 2000; SAFRANSKY, Rüdiger, Heidegger, um Filósofo da Alemanha entre o Bem e o Mal. São Paulo: Geração Editorial, 2005, pp. 143-162; HEIDEGGER, Martin, Que é uma coisa. Lisboa: Edições 70, 1992; Idem, Ensaios e Conferências. 3ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2006; MARX, Karl & ENGELS, Friedrich, A Ideologia Alemã. Organização, tradução, prefácio e notas de Marcelo Backes. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007; FREITAS, Lorena Rodrigues Tavares, A Má-Fé Institucional na Re-produção do Fracasso Escolar no Brasil. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2009; CORTIZO, Telma Lima, Auctoritas Inter-rogada: Docência (Re)inventada. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade. Departamento de Educação. Salvador: Universidade do Estado da Bahia, 2017; GLETTE, Gabriela, “Jovem Defende Tese de Doutorado Usando Saia Feita de Cartas de Rejeição para Naturalizar o Fracasso”. Disponível em: https://quokkamag.com/pt/2020-11-03; ALAMEIDA, Elvina Perpétua Ramos, Letramentos em Escritas de Fé: As Cartas dos Devotos do Bom Jesus da Lapa. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2021; entre outros.

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