“O herói é aquele que permanece imperturbavelmente concentrado”. Tzvetan Todorov
Dizer que o homem é um ser social como o fez brilhantemente Marx, no âmbito da economia política e do materialismo histórico, e depois Durkheim, demonstrando a especificidade da análise, distinguindo as formas de sentir, pensar e agir que define o nível analítico da sociologia repõe a seguinte questão: o que exatamente significa essa indagação? Para Marx, que propõe a ruptura com Hegel, afirma que ele caiu na ilusão de conceber o real como resultado do pensamento, que se concentra em si mesmo, se aprofunda em si mesmo e se movimenta por si mesmo. Enquanto o método materialista que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto é precisamente a maneira de se apropriar do concreto, de reproduzi-lo como concreto espiritual. O todo, na forma em que aparece no espírito como todo-de-pensamento, é um produto do cérebro pensante, que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, de um modo que difere da apropriação desse mundo pela arte, pela religião, pelo espírito prático. Antes como depois, o objeto real conserva a sua independência fora do espírito; e isso durante o tempo em que o espírito tiver uma atividade meramente especulativa, meramente teórica. Exatamente no emprego do método teórico é necessário que a sociedade - o objeto - esteja presente no espírito como dado primeiro da observação metódica.
E neste sentido, que a sociologia durkheimiana adverte-nos que é tão pouco habitual tratar os fatos sociais cientificamente que, se existe uma ciência das sociedades, cabe esperar que ela não consistisse em uma simples paráfrase dos preconceitos tradicionais, mas demonstre diferentemente em contraste como as vê o senso comum, que associa-se em geral aquele conhecimento que não passa por reflexão, sendo aceito pela maioria das pessoas sem questionamentos. Por sua vez, o senso crítico é fortemente baseado em procedimentos de crítica e reflexão, além de passar pelo crivo do método científico e na pesquisa, pois o objeto de toda ciência é fazer descobertas, e toda descoberta desconcerta mais ou menos as opiniões relativamente aceitas, pois cumpre que o sociólogo tome decididamente o partido de não se intimidar com os resultados de suas pesquisas, se estas foram metodicamente conduzidas. Se buscar o paradoxo é próprio de um sofista, fugir dele, e mesmo quando torna-se imposto pelos fatos da cultura, denota um espírito sem coragem ou sem fé na ciência. Infelizmente, é mais fácil admitir essa regra em princípio e teoricamente do que aplica-la com perseverança. Lembrava o sociólogo francês que em matéria de método, jamais se pode fazer senão o provisório, pois os métodos mudam à medida que a ciência avança socialmente.
A proposição segundo a qual os fatos sociais devem ser “tratados como coisas”, proposição que está na base do método tanto de Marx quanto de Durkheim, se opõe à ideia assim como o que se conhece a partir de fora se opõe ao que se conhece a partir de dentro. É coisa todo objeto do conhecimento que não é naturalmente penetrável à inteligência, tudo aquilo de que não podemos fazer uma noção adequada por um simples procedimento de análise mental, tudo o que o espírito não pode chegar a compreender a menos que saia de si mesmo, por meio de observações e experimentações, passando progressivamente dos caracteres mais exteriores e mais imediatamente acessíveis aos menos visíveis e aos mais profundos. Tratar os fatos sociais de certa ordem como coisas não é, portanto, classifica-los nesta ou naquela categoria do real; é observar diante deles certa atitude mental. É abordar seu estudo tomando por princípio que se ignora absolutamente o que eles são e que suas propriedades características, bem como as suas causas desconhecidas, não podem ser descobertas pela introspecção. Eles são para nós, no momento em que empreendemos fazer-lhes a ciência, necessariamente coisas ignoradas. As representações que fizemos da vida, tendo sido feita sem método e sem crítica, são desprovidas de valor científico e devem ser deixadas de lado.
Eis, portanto uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. No momento em que uma nova ordem de fenômenos torna-se objeto de ciência, eles já se acham representados no espírito, não apenas por imagens sensíveis, mas por espécies de conceitos grosseiramente formados. O homem não pode viver em meio às coisas sem formar a respeito delas as ideias de acordo com as quais regula sua conduta. Em vez de observar as coisas, de descrevê-las, de compará-las, contentamo-nos então em tomar consciência de nossas ideias, em analisá-las, em combiná-las. Em vez de uma ciência de realidades, não fazemos mais do que uma análise ideológica. Pode-se recorrer aos fatos para confirmar as noções ou as conclusões imediatas que se tiram. Mas os fatos só intervêm então secundariamente, a título de exemplos ou de provas confirmatórias; eles não são objeto da ciência. Esta vai das ideias às coisas, não das coisas às ideias. É coisa tudo o que é dado, tudo o que se oferece ou se impõe à observação, o ato de considerar com atenção as coisas, os seres, os eventos.
É preciso, portanto considerar os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estuda-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós. Se essa exterioridade for apenas aparente, a ilusão se dissipará à medida que a ciência avançar e veremos, por assim dizer, o de fora entrar no de dentro. Mas a solução não pode ser preconcebida e, mesmo que eles não tivessem afinal todos os caracteres da coisa, deve-se primeiro trata-los como se os tivessem. Essa regra aplica-se, portanto à realidade social inteira, sem que haja motivos para qualquer exceção. O caráter convencional de uma prática ou de uma instituição jamais deve ser presumido. De resto, e de uma maneira geral, o que foi dito anteriormente sobre os caracteres distintivos do fato social é suficiente para nos certificar sobre a natureza dessa objetividade nas ciências sociais e para comprovar que ela não é ilusória. Com efeito, reconhece-se principalmente uma coisa “pelo sinal de ela que não pode ser modificada por um simples decreto da vontade”. É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou segundo a definição durkheimiana, ainda toda maneira objetiva de fazer que é geral na extensão de uma sociedade determinada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais.
Nascido em Sofia, na Bulgária (1939), Todorov fez seus estudos na área de Letras ainda em sua terra natal, então sob a égide do regime socialista autoritário vigente nos países do Leste Europeu. Sobre as suas obras literárias e sociais o búlgaro envolveu-se nestas questões políticas mesmo após se formar na Universidade de Sófia (em filologia) e se doutorar na Universidade de Paris, juntando-se ao Centre Nationale de la Recherche Scientifique (CNRS) em 1968. Dois anos depois, aliou-se a Gérard Genette, fundando a revista Poétique, na qual foi editor até 1979. Sua concepção de teoria e filosofia direciona-se para a crítica literária sobre poesia eslava, numa démarche estruturada da filosofia da linguagem, assim como numa visão estruturalista que a concebe como parte da semiótica saussuriana, fato social de sua formação que compôs seus estudos dirigidos por Roland Barthes. Com a publicação de A Conquista da América. O Problema do Outro (2007), Todorov expõe suas pesquisas a respeito do conceito de alteridade, existente na relação de indivíduos pertencentes as etnias, cujo tema encontra justificativa na situação do próprio autor. Não por acaso, ganhou o prêmio Príncipe de Astúrias de Ciências Sociais (2008). O prémio foi instituído em 24 de setembro de 1980 por Filipe, Príncipe das Astúrias, herdeiro ao trono de Espanha, com o objetivo de “consolidar a ligação entre o principado e o Príncipe das Astúrias e de contribuir para encorajar e promover os valores científicos, culturais e humanistas que são parte da herança universal da humanidade”.
A história da Bulgária moderna têm início em 3 de março de 1878, quando o Tratado de San Stefano dá autonomia ao Estado búlgaro, realizado sob a supervisão de Otto von Bismarck, o representante máximo do Império Alemão, e de Benjamin Disraeli do Reino Unido, que revisou o tratado anterior (San Stefano), o futuro Reino da Bulgária teve seu território reduzido, quando compreendia as regiões da Mésia, Trácia e Macedônia. Baseados nesta data política, os búlgaros comemoram todos os anos o Dia da Nação Búlgara. No entanto, cientes de que o novo Estado teria hegemonia nos Bálcãs, outras grandes potências, em especial a Áustria-Hungria, rejeitou o tratado e conseguiram diminuir o território que viria a compor o Reino da Bulgária, dando uma “sobrevida” ao Império Otomano na península balcânica. Os búlgaros adotavam uma constituição democrática, e o poder foi passado ao Partido Liberal liderado por Stefan Stambolov. O Príncipe Alexandre tinha uma educação conservadora, e no começo opôs-se às políticas de Stambolov, um importante e popular fundador da Bulgaria moderna, “o Bismarck búlgaro”, que em 1885 já era considerado simpático ao seu novo país, a ponto de ganhar também o apoio dos liberais.
A história da Bulgária moderna têm início em 3 de março de 1878, quando o Tratado de San Stefano dá autonomia ao Estado búlgaro, realizado sob a supervisão de Otto von Bismarck, o representante máximo do Império Alemão, e de Benjamin Disraeli do Reino Unido, que revisou o tratado anterior (San Stefano), o futuro Reino da Bulgária teve seu território reduzido, quando compreendia as regiões da Mésia, Trácia e Macedônia. Baseados nesta data política, os búlgaros comemoram todos os anos o Dia da Nação Búlgara. No entanto, cientes de que o novo Estado teria hegemonia nos Bálcãs, outras grandes potências, em especial a Áustria-Hungria, rejeitou o tratado e conseguiram diminuir o território que viria a compor o Reino da Bulgária, dando uma “sobrevida” ao Império Otomano na península balcânica. Os búlgaros adotavam uma constituição democrática, e o poder foi passado ao Partido Liberal liderado por Stefan Stambolov. O Príncipe Alexandre tinha uma educação conservadora, e no começo opôs-se às políticas de Stambolov, um importante e popular fundador da Bulgaria moderna, “o Bismarck búlgaro”, que em 1885 já era considerado simpático ao seu novo país, a ponto de ganhar também o apoio dos liberais.
Apesar de uma série de leis antijudaicas criadas a partir de 1940, pois os judeus foram excluídos do serviço público, banidos de certas áreas, tiveram sua participação na economia restringida, e não poderiam se casar com não judeus, a Bulgária foi o único país, além da Dinamarca e da Finlândia, a resistir à deportação de judeus. Em 1943, 20 mil foram expulsos de Sófia, mas protestos iniciados por Dimitar Peshev e por outros políticos e clérigos impediram intervenções nesta linha, salvando aproximadamente 50 mil judeus no país. A Bulgária foi forçada, entretanto, a deportar judeus das áreas conquistadas. Vários judeus da Macedônia e da Trácia foram deportados, e no total, o país expulsou outros 11 mil judeus de seu território para a Alemanha nazista. A maior parte deles morreu no campo de concentração de Treblinka, o quarto campo onde os judeus foram exterminados em câmaras de gás alimentadas por motores a explosão, localizado nos arredores da cidade de Treblinka, na Polônia, ocupada pelos alemães. Também foi o primeiro campo de morte alemão onde ocorreu a cremação dos cadáveres a fim de ocultar o número real de pessoas mortas. Neste campo de segregação foi criado um “sistema de trabalho” (sonderkommando) onde os judeus eram incumbidos de receber os comboios que chegavam e conduzir os deportados para as câmaras de gás, retirar os cadáveres, extrair os dentes de ouro, e proceder ao processo de cremação.
Tzvetan Todorov e Assis Brasil (2012). |
Treblinka era um dos argumentos preferidos dos que negavam o Holocausto. Os depoimentos dos sobreviventes e os documentos falavam de um campo de extermínio a uma hora e meia da capital polonesa, Varsóvia, mas no ponto indicado só havia uma ladeira verde, uma granja e um bosque. Nada a ver com as barras e as duchas de Auschwitz. Uma equipe da Universidade de Staffordshire (Reino Unido), comandado pela arqueóloga forense Caroline Sturdy Colls, encontrou a primeira evidência física das câmeras de gás, alicerces e lousas, além de várias fossas comuns. Sua investigação não é importante só porque demonstra a única prova tangível de que Treblinka não foi um mito, mas pelos meios empregados. Comparativamente é um processo que se assemelha ao empregado na Espanha para buscar algumas fossas da Guerra Civil (1936-39), incluindo a do poeta e dramaturgo Frederico García Lorca em Granada. Depois vieram os alicerces, buracos tampados que pertenciam às câmeras de gás. E também a descoberta mais macabra: lousas de cerâmica, finas, avermelhadas e de cor mostarda, com a estrela de David em relevo. Sobreviventes já falavam desses desenhos, como se vê em seus relatos etnográficos no Museu Yad Yashem de Jerusalém: a câmera de gás, contavam, estava disfarçada de mikvé, o “banho ritual judeu”, o que levava os homens e mulheres que chegavam a Treblinka a pensar que iriam tomar banho.
O símbolo sagrado do judaísmo na fachada desse edifício os ludibriava e fazia com que se sentissem seguros, confiantes e enganados até o último momento. Foi assim durante os 24 meses que funcionou o ritual macabro no campo entre 1942 e 1943. Graças às escavações arqueológicas, pôde-se desenhar um mapa do recinto, da trilha do trem à qual chegavam os judeus e ciganos, aos quais era dito que Treblinka só era uma zona de passagem, antes de ser deportados para o Leste, como lembra o professor Gideon Greif, até as duas câmeras das quais há restos, uma com capacidade para 600 pessoas e outra para 5.000, e o corredor ao ar livre pelo qual os dirigiam. Há depoimentos, não obstante, que falavam de até uma dezena de câmeras espalhadas pela zona. Em 60 minutos, os vivos passavam do trem à nudez e à morte, segundo indicam os arqueólogos no documentário: Treblinka: Hitler’s Killing Machine (2014), divulgado pelo Smithsonian Channel, canal de televisão por assinatura pertencente a uma joint venture entre a Showtime Networks, da ViacomCBS Domestic Media Networks, uma divisão do conglomerado de mídia ViacomCBS, que supervisiona as operações de vários canais de televisão e websites, incluindo o canal original MTV, e a Smithsonian Instituition. É inspirado nos museus, nas instalações de pesquisa e através das revistas de divulgação onde ocorreu a descoberta e inclui uma recriação histórica do espaço.
O cinema na concepção do realismo maravilhoso, segundo Marinho (2006), agrega várias modalidades em torno da ficção científica, nos filmes de aventura e fantasia. Seus heróis como os dos romances de aventura, são dotados de heroísmo e grandes feitos, impossíveis para meros mortais. O herói das narrativas de aventura é envolvido hic et nunc por uma espécie de aura mítica. O fabuloso cientista Indiana Jones, renomado professor de arqueologia, sai de seu lugar de origem em 1936, atravessando o mundo ocidental em busca da milenar arca perdida. Representa um personagem da série de filmes Indiana Jones, criado por George Lucas e Steven Spielberg, George Lucas criou o personagem em homenagem aos heróis de séries e filmes de ação dos anos 1930. O personagem apareceu pela primeira vez em 1981 em Indiana Jones e Os Caçadores da Arca Perdida, dirigido por Steven Spielberg e vivido por Harrison Ford. O personagem se distingue pela sua aparência com chicote, chapéu, mochila e jaqueta de couro, excelente senso de humor, conhecimento profundo de inúmeras civilizações, línguas antigas e medo de cobras. O cinema narrativo mantém uma estreita proximidade com a literatura mágica na medida em que serve de inspiração para adaptações dos ensaios literários às telonas dos cinemas como também para referendar sua proposta narrativa.
O nome de Tzvetan Todorov entraria para a história associado ao pensamento estruturalista francês, em voga em todo o ambiente acadêmico ocidental nas décadas de 1960 e 1970 e até hoje um elemento central da vida intelectual do século 20. Foi nesse ambiente, ligado a figuras como o antropólogo Claude Lévi-Strauss e ao também crítico e teórico da literatura Roland Barthes seu orientador acadêmico, entre outros, que Todorov fez sua reputação. Não bastasse a versatilidade e a acuidade com que este búlgaro examinava clássicos franceses e ingleses como Choderlos de Laclos e Henry James, a política, ou melhor dizendo, a inteira esfera do que é político, obviamente não poderia ter escapado aos interesses de pensador tão fecundo. E foram tais interesses que estiveram no centro das atenções da conferência de Tzvetan Todorov no Brasil, em 2012, no Fronteiras do Pensamento. Lançando seu livro Os inimigos íntimos da democracia (2012), Todorov ofereceu uma ampla análise histórica e estrutural do messianismo político que, a seu ver, ameaça a própria ideia de democracia.
Como imigrante na França, um país onde se espraia claramente a relação política entre nacionais e estrangeiros historicamente marcados “por um xenofobismo não declarado”. Ipso facto, Todorov discorreu sobre o fantástico (2010) na literatura, fazendo a diferenciação entre a tríade: fantástico, estranho e maravilhoso. Em um caso inusitado, mas preciso no âmbito do cinema, Woody Allen, diz numa entrevista à revista Rolling Stone, segundo Bonici (2013) que gostava de ler Kafka, Sartre, Camus e Kierkegaard. Esse gosto ressurge transparecido em alguns de seus filmes, como Desconstruindo Harry (1997), um escritor que sofre de graves distúrbios psicológicos relacionados a pessoas ao seu redor, o que lhe causa bastante confusão com as pessoas próximas, Crimes e Pecados (1989), sobre o bem-sucedido oftalmologista Judah Rosenthal sendo homenageado e se lembra dos ensinamentos religiosos de seu pai e da crise provocada por sua amante, Dolores Paley, que o está pressionando a abandonar a esposa Miriam e ficar com ela. Judah Rosenthal conta seus problemas e ouvem os bons conselhos do seu paciente, o rabino Ben, e em contraste, os maus conselhos de seu irmão Jack, um meio-criminoso, que se oferece para silenciar sua amante, e A Outra (1988), uma professora de filosofia enfrentando uma crise de meia-idade aluga um apartamento para poder escrever. Vizinha de uma psiquiatra, ela começa a ouvir partes de conversas dela com seus pacientes, ficando obcecada pela vida de uma jovem grávida. Essas obras de “escrita pesada”, com temas polêmicos que circundavam a ausência de Deus, a angústia frente à iminência da morte e o absurdo da vida.
O cineasta trouxe essas questões através da comédia, tratando-os da forma moderada. Mas, além dessas questões, muitos dos filmes de Allen tratam do fantástico e do estranho, como é o caso de A Rosa Púrpura do Cairo (1985), onde Cecília, uma desajeitada garçonete que sustenta Monk, o marido bêbado e desempregado e que só sabe ser violento e grosseiro, costuma fugir da sua triste realidade assistindo a sessões seguidas de seus filmes prediletos. Ao assistir pela quinta vez o filme A Rosa Púrpura do Cairo (1985), ela tem uma grande surpresa ao ver o herói protagonista Tom Baxter magicamente sair das telas em preto e branco da fita em vídeo para um mundo real e colorido e declarar seu amor a ela, provocando uma extraordinária confusão. Em Meia-Noite em Paris (2011) o escritor e roteirista norte-americano viaja com a noiva Inez e a família dela à Paris e realiza vários passeios noturnos sozinho. Mas descobre que, surpreendentemente, ao badalar da meia-noite, é transportado para a Paris histórica de 1920, um espaço e lugar que considera os melhores de todos. Nessas viagens vai a várias festas onde reconhece alguns intelectuais e artistas que tem uma grande admiração, como F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, Ernest Hemingway, Salvador Dali, e outros, até que tenta acabar o seu romance com Inez, pois se apaixonou por Adriana, uma bela moça do passado, e é forçado a confrontar a ilusão de que uma vida diferente, pois representava a “época de ouro” francesa que para ele é melhor do que a atualidade.
A intolerância social e política parece estar na raiz de uma série de conflitos internacionais, e é exatamente contra isso que Todorov investe toda a sua capacidade de arguir o real. Ele faz um apelo à responsabilidade social de Estados-Nação, entre religiosos, políticos, mídia, formadores de opinião e cidadãos em geral. Na realidade, todos têm uma dívida com a história, impossível de ser dividida por uma fronteira onde o Ocidente é o bem e o Islã é o mal. O que dizer da aceitação da tortura pelo governo da América do Norte, seja no próprio território, seja em Abu Ghraib ou da criação de um Ministério da Identidade Nacional por Sarkozy? A intolerância parece estar na raiz de uma série de conflitos internacionais, e é exatamente contra isso que Todorov contra a associação maniqueísta envolvendo cultura e política que engendra um verdadeiro campo minado. Casos como as caricaturas ridicularizando Maomé publicado no diário dinamarquês em 2005, e reproduzido no semanário Charlie-Hebdo, bem como a injúria antimuçulmana de um professor francês no Le Fígaro, um jornal francês publicado em Paris de concepção editorial de centro-direita, enquanto que o seu principal concorrente, o Le Monde, é considerado analiticamente menos conservador, ipso facto mais ao centro e do ponto de vista comunicativo, tudo aquilo que elas geraram em termos de tensões sociais e internacionais o conduzem a pensar criticamente no sentido político.
A vontade de comprovar que a liberdade de expressão, teria sido necessário escolher afirmações que fossem ao encontro da opinião comum e que transgredissem proibições aceitas pela maioria dos cidadãos: por exemplo, proferir frases antissemitas. Se ninguém tem a ideia de defender a liberdade de expressão dessa maneira é porque, contrariamente ao que se ouve em determinadas tomadas de posição, essa liberdade não é o único, nem o mais fundamental, dos valores de uma democracia liberal; seu lugar está garantido entre eles, certamente, mas ao lado de outros aos quais ela deveria adaptar-se. Todos aceitam tacitamente tal hierarquia; além disso, não se fala de censura quando se proíbe a incitação ao ódio racial. Enquanto raça e etnia são consideradas fenômenos distintos na ciência social contemporânea, os dois termos têm uma longa história de equivalência no uso popular e na literatura mais antiga das ciências sociais. A relação das ciências sociais com a literatura não se constitui novidade no meio acadêmico. Alguns filósofos da cena contemporânea têm problematizado o divórcio entre essas duas concepções, como Paul Karl Feyerabend, Jean-Paul Sartre, Martin Heidegger, Donald Davidson, Hilary Putnam, Richard Rorty, Homi Bhabha, Alasdir MacIntyre e Charles Taylor, entre outros.
Com a invasão muçulmana da Península Ibérica, os muçulmanos berberes derrubaram os governantes anteriores visigóticos e criaram a Al-Andalus, que contribuiu para a Idade de Ouro da cultura judaica no Al-Andalus, e durou seis séculos. Foi seguido pela secular Reconquista, terminada sob monarcas católicos Fernando V e Isabel I de Castela. O legado católico espanhol formulou a doutrina Limpieza de sangre. Foi durante esse período da história que o conceito ocidental de aristocrática “sangue azul” surgiu em um contexto ideológico racializado, religioso e feudal, de modo a impedir a mobilidade dos Novos Cristãos. Na história social e política, o racismo é uma força motriz estabelecida por trás do tráfico transatlântico de escravos e de Estados que se basearam na segregação racial, como os Estados Unidos da América no século XIX e início do século XX e África do Sul sob o regime apartheid. As práticas e ideologias do racismo são condenadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), na Declaração dos Direitos Humanos, entre outros. Ele também é uma parte importante da base política de genocídios continentais ao redor do planeta, como é real o Holocausto, mas também coloniais, como os ciclos da borracha na América do Sul e no Congo, na conquista europeia das Américas e de colonização da África, Ásia e Austrália.
A formação de colônias é a forma segundo a qual a espécie humana se irradiou pelo mundo. A colonização de territórios não era geralmente acompanhada pelo uso da força, a não ser para lutar contra eventuais animais que os ocupassem. Em tempos mais recentes, no entanto, o crescimento populacional e econômico em vários países da Europa e da Ásia (os Mongóis e os japoneses) levou a um novo tipo de colonização, que passou a ter o caráter de dominação (e, por vezes, o extermínio massivo) de povos que ocupavam territórios longínquos e dos seus recursos naturais, criando grandes impérios coloniais. Um dos aspectos mais importantes desta colonização foi a escravidão, com a exportação de uma grande parte da população africana para as Américas, com consequências nefastas, tanto para o continente negro, como para os descendentes dos escravos, que perduram. No século XIII, os reis mongóis sucessores de Genghis Khan construíram o maior império colonial, abrangendo quase toda a Ásia e parte da Europa de leste. Nos finais do século XIX, os japoneses começaram a expandir-se e, na conjuntura entre-guerras mundiais, dominavam a Coreia, parte da China, a Indochina, as Filipinas e a colônia das Índias Orientais Holandesas, atual Indonésia. O colonialismo europeu abrangeu a maior parte do mundo globalizado, fora daquele continente, tendo sido ocupadas completamente as Américas e a Austrália até ao século XVII e a maior parte de África até ao início do século XIX. Em 1885, as diferentes regiões dos países de África foi dividida e distribuída pelas potências coloniais europeias na Conferência de Berlim, reconhecida como conferência da África Ocidental, ou Conferência do Congo, de 15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885, demarcando a nova repartição e divisão territorial da África.
Bibliografia geral consultada.
TODOROV, Tzvetan, Introduction à la Littérature Fantastique. Paris: Éditions Le Seuil, 1970; Idem, Os Gêneros do Discurso. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1980; Idem, Devoirs et Délices: une Vie Passeur. Paris: Le Seuil, 2002; Idem, La Conquista de América. El problema del outro. México: Siglo XXI Editores, 2007; Idem, The Fear of Barbarians: Beyond the Clash of Civilizations. Trad. Andrew Brown. Chicago: University of Chicago Press, 2010; Idem, Os Inimigos Íntimos da Democracia. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2012; MUSCOLO, Silvina, Tzvetan Todorov y el Discurso Fantástico. Madrid: Ediciones Campo de Ideas, 2005; MARINHO, Celisa Carolina Álvares, Contribuições para uma Política do Maravilhoso: Um Estudo Comparativo sobre a Narratividade Literária e Cinematográfica. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas e Vernáculas. Departamento de Letras. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006; BONICI, Stella Correia, O Fantástico, o Maravilhoso e o Estranho nos Filmes de Woody Allen. São Paulo: Escola de Comunicação e Artes. Universidade de São Paulo, 2013; RENGEL, Carmen, “A história desenterra Treblinka”. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2014/04/01/; RIBEIRO, Roberta do Carmo, Woody Allen Cineasta-historiador: Ironia e Identidade Judaica em Filmes sobre o Período Entreguerras. Dissertação de Mestrado em Historia. Programa de Pós-graduação em Historia. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2014; FOUCAULT, Michel, Isto não é um cachimbo. 7ª edição. Tradução de Jorge Coli. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2016; MÖRSCHBÄCHER, Dulce, Considerações sobre o Outro e o Comum a partir de Tzvetan Todorov: Contribuições para a Pesquisa Educacional. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Centro de Educação. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2018; LUNA, José Ronaldo Batista
de, Para Além do Fantástico: Narradores Olvidados na Literatura do Brasil e
da Argentina. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras.
Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2020; entre outros.