Ubiracy de Souza Braga
“A arte da
conversa é a gravitação autônoma das coisas que forma suas próprias palavras”. Michel Foucault
Epístola do grego antigo ἐπιστολή, “ordem,
mensagem”, pelo Latim epistòla, carta, mensagem escrita, não assinada, representa
um texto escrito em forma manuscrita de carta. Mas se distinguindo da missiva por
expressar opiniões, manifestos, e discussões para além de questões ou
interesses meramente pessoais ou utilitários. Sem, porém, deixar o estilo
formal, combina amores objetivos e apelos morais subjetivos
com o debate de cenas abrangentes e abstratos. As epístolas reunidas de autor
podem vir a ser publicadas devido a seu interesse histórico, literário, social,
institucional ou documental. O termo tem uso antigo, florescendo na literatura
latina com as epístolas de Horácio, que recomenda aos seus destinatários que
busquem o caminho da sabedoria e dos sábios; Varrão, reconhecido através de
Cícero, quando é possível encontrar também reminiscências em Santo Agostinho; Plínio,
quando a troca de cartas com o imperador Trajano, são considerados um dos mais
valiosos documentos para entender a vida cotidiana do império romano. Nelas,
Plínio cita pela primeira vez o cristianismo num documento romano reconhecido. Ovídio,
que ao cantar o amor sob uma perspectiva feminina, utiliza a métrica como meio
para elaborá-las. As Epístolas de Sêneca, é uma coleção de 124 cartas escritas
por Sêneca no final da sua vida. São endereçadas a Lucilio, o governador romano
da Sicília, reconhecido apenas pelos escritos de Sêneca e de Cícero, e que na
origem da arte humanista, está a redescoberta das epístolas ciceronianas a
Ático por Petrarca, em 1345, e a familiares, por Coluccio Salutati, em 1392. O
que acabou por transpor a voga da imitação clássica, culminando no
ciceronianismo. Melhor dizendo, estado à maneira de Cícero, do começo do século
XV, em especial, a partir do quadro de pensamento das epístolas de Petrarca,
que, por seu estilo clássico, emulavam as epístolas de
Cícero.
Está
presente na Bíblia com as Epístolas de Paulo destinadas às comunidades cristãs.
Representam os 14 livros do Novo Testamento da Bíblia que têm o nome Paulo (Παῦλος)
como a primeira palavra, quando as mesmas reivindicam a autoria do apóstolo
Paulo. Entre essas cartas, estão alguns dos mais antigos documentos cristãos
existentes. Eles fornecem uma visão das crenças de parte do cânon do
Novo Testamento e são textos fundamentais para a teologia cristã e para a
ética. Na Idade Média, uma subdivisão da retórica é criada para tratar da
redação de cartas com base nos modelos clássicos greco-latinos. Petrarca foi um
epistógrafo notável. No Renascimento houve uma grande expansão do gênero literário
pelos humanistas, numa época anterior ao surgimento da imprensa bíblica e vulgata
jornalística, quando as cartas exerciam a função de informar os fatos que
ocorriam no mundo. Na literatura, constitui-se no gênero literário da
epistolografia, com um estilo epistolar de redação sem a intenção de ser
correspondência. Pode ser um prólogo de um autor introduzindo e justificando
sua obra, ou um recurso ficcional para narração de personagens fictícios
através de cartas. A Epístola de Tiago é uma das cartas do Novo
Testamento, assim reconhecidas porque foram escritas como cartas circulares. Isto
é, para serem lidas em diversas igrejas, ao contrário das Epístolas de Paulo
que eram pessoais, enviadas a igrejas específicas, ou a determinados
indivíduos. Entretanto, fica evidenciado pelo conteúdo de sentido da
carta que o autor direciona seus conselhos aos cristãos judeus
recém-convertidos. Não há evidências empíricas na epístola ou de fontes de
narrativas externas que ajudem a determinar com exatidão a data em que foi
escrita esta carta.
Na modernidade contemporânea, em sua introdução à tradução
inglesa da correspondência entre René Descartes e Elisabeth Simmern van
Pallandt, princesa da Boêmia, nasceu em 26 de dezembro de 1618 em Heidelberg, em
uma família protestante. Em 1628, Elisabeth passa a viver com seus pais em
Haia. A Holanda compartilhava uma variedade de artistas, filósofos, cientistas
e demais intelectuais, além de indivíduos das mais diversas orientações
religiosas, incluindo católicos, calvinistas e judeus, funcionando como uma
espécie de refúgio para aqueles que temiam perseguições políticas em outras
localidades da Europa. Embora Elisabeth tenha recebido em 1633 uma proposta do
rei Wladislav da Polônia, jamais se casou. Recusou tão logo descobriu que os
estados poloneses, mas não o rei em si, somente a aceitariam caso ela
concordasse em se converter ao catolicismo. De todo modo, ainda que disposta a
casar desde que pudesse resguardar sua fé, os assuntos teóricos e políticos
parecem ter ocupado seu tempo social e seu interesse. Em 1634, com dezesseis anos,
Elisabeth organizou uma discussão entre Descartes e John Dury, ministro
protestante escocês, a respeito do tema da verdade. Os dois possuíam
orientações teóricas e religiosas opostas: o primeiro, um católico que
pretendia encontrar a verdade na Matemática e o segundo, um protestante que
defendia ser possível encontra-la nas Escrituras. Elisabeth está interessada em
sanar algumas dúvidas a respeito da interação mente-corpo. Ela havia lido suas Meditações
de Descartes, e conseguiu contato epistolar com ele através de Pollot.
Muito rapidamente, os temas saíram da consideração de um problema matemático,
ainda em 1644, para sua saúde debilitada. Em 8 de julho de 1644, segundo a
classificação da edição de Shapiro, Descartes faz referência a carta perdida de
Elisabeth, na qual ela o informa de certa indisposição no estômago.
Elisabeth
da Bohemia é uma filósofa do início do Período Moderno. Nascida em família real
e calvinista, afetada pelos conflitos religiosos e políticos que conflagram na
Europa nesse período, Elisabeth compartilhou cartas com o círculo intelectual
vinculado à sua família e ao ambiente social de Haia, uma das cidades em que
habitou. O traço filosófico de seu pensamento aparece na correspondência que
manteve com René Descartes. Ela passou a ser reconhecida como filósofa há
poucos anos, devido ao trabalho intenso de algumas filósofas e historiadoras
contemporâneas da filosofia, especialmente Lisa Shapiro, Sabrina Ebbersmeyer e
Lilli Alanen, que se dedicaram ao legado de Elisabeth, bem como à tarefa de resgate
das mulheres na história da filosofia. Elisabeth da Bohemia manteve com René
Descartes uma correspondência entre 1643 e 1649, que foi chamada por Antônia
Lolordo de Oitavas Objeções e Respostas. Descartes dedica a Elisabeth
sua obra de maturidade metafísica, Princípios da Filosofia Primeira
(1644), e redige o Tratado das Paixões da Alma (1649) como resultado
inconteste da busca por respostas consistentes às questões oferecidas por ela,
no plano abstrato das emoções após sua leitura das Meditações Metafísicas
(1641). Embora pudesse parecer, esta não é uma informação secundária, posto que
o ensaio Paixões da Alma não existiria sem a interlocução com Elisabeth e
quanto a isso, há discussão ainda precária na literatura. A dedicatória ocupa a
troca epistolar e marca a virada prática, de ordem conceitual, que lhe é
constitutiva. Elisabeth da Bohemia é a única expressão filosófica que realmente
influencia Descartes na troca epistolar.
Após
a resposta de Elisabeth em agosto de 1644, Descartes só volta a entrar em
contato com ela no ano seguinte, em maio de 1645, alegando ter se perdido em
sua solidão e não ter obtido notícias de que Elisabeth havia passado um
longo tempo doente. A partir deste evento, considerado nesta mesma carta,
Descartes passará a fornecer conselhos médicos para Elisabeth, inaugurando toda
uma patologia e uma terapêutica muito próxima daquela que ele parece ter
aplicado a si mesmo. Não nos deteremos, ainda, no conteúdo destas ciências;
pois nos interessa pontuar exatamente qual a doença de Elisabeth e quais suas
causas do ponto de vista de sua biografia. Descartes demonstra-se inicialmente
perplexo com o fato de um espírito tão virtuoso – no sentido materialista da
expressão, quer dizer, virtude entendida como potência e não como categoria
moral – esteja alojado num corpo tão frágil. Ao tentar detectar as possíveis
causas de sua indisposição, Descartes usa a expressão “inimigos domésticos”
para classificá-las. Ao contrário dos médicos com os quais Elisabeth se consultou,
sua família vivia na condição de exilada em Haia, recebendo dinheiro através de
outro parente, a saber, Charles I, rei do território que compreendia à
Inglaterra, Escócia e Irlanda de 1625 até sua decapitação em 1649. Este
enfrentava, à época da correspondência, a Guerra Civil Inglesa (1642-1649), o que contribuiu
para instaurar uma espécie de crise financeira entre os familiares mais
próximos de Elisabeth.
A campanha que liderava dependia diretamente de taxação da população. Como estas taxas eram feitas através de atos parlamentares e como o parlamento foi dissolvido e logo depois se voltou contra ele, Charles I tentou em vão impor ele mesmo estas taxas. Assim, se viu sem recursos para continuar sua campanha e para manter financeiramente seus familiares. Este conflito se estendeu para seu descendente, Charles II, que em 1649, já na Escócia, perdeu uma batalha para Cromwell. Somente dois anos depois da morte de Cromwell 68 Carta a Elisabeth de 18 de maio de 1645, em 1658, isto é, em 1660, Charles II pôde restaurar a monarquia na Inglaterra e assumir o trono de rei. Cabe acrescentar que dois dos irmãos de Elisabeth, Rupert e Maurice, lutaram na guerra ao lado de seu tio, o que era mais um motivo para endossar suas preocupações. Além da crise econômica e de sua posição política insegura, Elisabeth desempenhava uma série de funções políticas, as quais ocupavam seu tempo, que são provavelmente as atividades “irritantes” de que reclamava em 24 de maio de 1645. Assim, por exemplo, em 1640 ela se correspondia com Thomas Roe, que negociava a soltura da prisão de seus dois irmãos, exilados, nesta condição devido ao término trágico da guerra. Todas estas circunstâncias externas contribuíam para gerar o quadro de melancolia de Elisabeth. Há pelo menos dois momentos, no bloco inicial das cartas médicas, em que a melancolia surge como tema: nos dois casos por Elisabeth. Em 22 de junho de 1645, ela confessa que as cartas de Descartes servem “sempre como remédio para a melancolia”; e, na mesma, um pouco mais adiante, confessa ser necessário empregar sua mente com cuidado durante a ingestão das águas de Spa sob pena de tornar seu estado ainda mais melancólico. A melancolia aparece, na correspondência integral, em mais dois momentos, desta vez da parte de Descartes. Em sua carta de novembro de 1646, já no segundo bloco das cartas médicas, Descartes, ao comentar rapidamente o poder de alguns remédios corporais, afirma que tanto o ácido quanto o ferro das águas de Spa servem para contrair o baço e dissipar a melancolia. Em todas estas menções, a melancolia parece se referir ao mesmo estado espiritual: trata-se de uma espécie de tristeza prolongada. Lisa Shapiro contrapõe o caráter privado destas epístolas ao intento público das cartas trocadas entre Descartes e outros interlocutores, de algumas poucas filósofas de seu tempo e, por último, do próprio cânone da correspondência filosófica. Basta lembrarmos das Objeções & Respostas e dos inúmeros prefácios de obras cartesianas que são também cartas públicas: Carta-dedicatória e Carta-Prefácio dos Princípios da Filosofia, Carta aos senhores Deão e doutores da sagrada faculdade de teologia de Paris que antecedem as Meditações e até mesmo as cartas enviadas por um anônimo, como as respostas cartesianas subsequentes, que prefaciam as Paixões da alma. Shapiro remonta a Mary Astell e a Margareth Cavendish: a publica, em 1695, sua carta a John Norris sobre o amor de Deus; ao passo que a segunda, em 1664, lança suas Cartas Filosóficas – que, embora fictícias, se apropriam do gênero de modo a dissipar as fronteiras do ponto de vista histórico e social entre o que se entende por correspondência pública e privada. Isto que dizer que podemosa dmitir que As cartas de Platão, Sêneca e Cícero, de um aspecto mais amplo, também foram documentos socialmente públicos.
Em contrapartida, as cartas de Elisabeth a Descartes só se tornaram disponíveis
tardiamente, em 1879, por iniciativa de Foucher de Careil. Mesmo Clerselier,
primeiro Editor póstumo de Descartes, ao publicar, entre os anos de 1657 e
1667, o volume integral de suas cartas, não pôde oferecer também as respectivas
respostas de Elisabeth. Isto parece ter se dado por opção da própria: logo após
a morte de Descartes, Chanut envia uma carta a Elisabeth na qual menciona ter
encontrado suas cartas em seu conjunto de papéis. Não temos a resposta de Elisabeth,
mas sabemos, pela carta seguinte de Chanut, que seu desejo era de que as cartas
lhe fossem reenviadas tal como foram encontradas. Chanut a obedece, mas não
deixa de insistir no fato de que seria de extremo interesse público conhecer as
discussões de ambos, pois acreditava que, no futuro, a filosofia cartesiana
seria aceita como verdadeira por todos. Ele também demonstra certa curiosidade
no conteúdo específico das cartas; pois, embora já conhecesse algumas, a saber,
aquelas que Descartes enviou, sem pedir autorização prévia a Elisabeth, a ele e
a Rainha Cristina, gostaria de poder conhecer melhor aquela que foi classificada
por Descartes “como a única que compreendeu a totalidade de sua filosofia”. As razões
para este cuidado com sua correspondência, da parte de Elisabeth, parecem ser o
fato de que continham informações muito particulares sobre sua vida e sua
conduta: desde sua insatisfação com a conversão de seu irmão ao
catolicismo à suas frequentes indisposições físicas e mentais. Estas últimas
motivam as discussões médicas das cartas; e será preciso esboçar, alguns dados
biográficos de Elisabeth que auxiliarão a traçar seu quadro clínico.
Alguns
argutos estudiosos conservadores argumentam que pode ter sido escrita em 45 d.
C., conquanto outros acreditam que fora escrita em 62 d. C. Há ainda datas mais
recentes baseadas no fato social de que na epístola o autor não faz nenhuma
menção do problema da admissão de gentios na Igreja. Posto que é reconhecido
que Tiago estava profundamente preocupado com esta questão em uma época
posterior. Esses que propõem uma data posterior ressaltam as doutrinas
evangélicas contidas nessa carta como sendo para uma Igreja que está dando seus
primeiros passos na fé. O que favorece a tese de uma datação posterior às
cartas de gálatas aos Romanos, nas quais se tratou de assuntos doutrinários
fundamentais. Entretanto, o aspecto-chave não é a exatidão histórica, mas o período.
Se, como indicam os relatos históricos extrabíblicos, Tiago foi martirizado em
63 d. C., a epístola claramente foi escrita antes dessa data. A aplicação
simbólica do autor se refere provavelmente aos judeus que aceitaram Jesus como
Messias e Salvador através da pregação do Evangelho. Tiago dirige sua epístola
“às doze tribos dispersas entre as nações” (1:1). No contexto judaico, o termo
“doze tribos” designa Israel em sua história social. O termo dispersão usado
pode fazer alusão etnográfica às primeiras perseguições sofridas pela Igreja
que levaram os convertidos a Jesus Cristo a se espalharem por diversas regiões
palestinas, e extra-palestinas, em alusão “entre as nações”. Além disso, Tiago,
ao usar tal construção, poderia ter em mente todo “Israel Espiritual” que
abrange os diversos fiéis a Jesus Cristo em diversas etnias, culturas, e
regiões circunvizinhas. O “Israel espiritual” existe e refere-se aos Judeus que
confiaram em Jesus como o seu Messias.
A
gestão real de cargos está registrada no Latim sobre as formas gestio, gestiōnis.
A classificação de cargos é o elemento social básico da administração de
pessoal. Dela depende o sistema de remuneração, a seleção inicial, a orientação
a imprimir ao treinamento dos funcionários, o regime de promoções e
transferências. Fornece uma terminologia universal que facilita o tratamento de
todos os assuntos referentes ao funcionalismo, inclusive a elaboração
orçamentária, e constitui auxílio poderoso às funções de organização e direção.
Associa-se a um gesto, identificado no latim gestus. Neste contexto social
vinculado ao que foi realizado. Mas pode ser uma simples expressão emocional de
comando. E com a raiz no verbo gerere, sobre a ideia de fazer ou
empreender algo. Vale a pena lembrar que gestação ou gesta são termos com a
mesma raiz lexical. Não é no campo empresarial que esta palavra é usada com
mais frequência. Eles sabem o que fazem. Na vida social distribuímos nosso
tempo em três dimensões para o trabalho, para reposição de energia e lazer fora
do trabalho. Este esquema individual e coletivo pode ter muitas variantes e
aspectos, consequentemente, é determinante a necessidade de gestão do tempo. Inseparáveis
do processo de civilização humana, mas distintos no plano abstrato das ideias e
do pensamento social, são os processos especiais de conformação originários da civilização que concorrem
de tribo para tribo, de nação para nação, de unidade de subsistência para
unidade de subsistência, diferem em função das particularidades históricas de
seu destino social.
Atos dos Apóstolos. |
Na retórica, parrésia é
descrita como franqueza, confiança ou ousadia para falar em público. A palavra
grega (παρρησία) é frequentemente usada para descrever certos diálogos
atribuídos a Jesus Cristo no Novo Testamento. Assumindo o preceito de que a
atividade intelectual passa pela problematização das verdades como
desdobramento e instituição das políticas de identidade, o que afirmamos é a
necessidade imediata de pensarmos uma linha de fuga contra os processos de assujeitamento
presentes na sociedade. No sistema cultural é básica a distinção entre
indivíduo e pessoa como duas formas de conceber o universo social e nele agir.
Um dos denominadores comuns de espaço e lugar praticado, porém, é a separação
ou diferenciação social, quando se estabelecem as posições das pessoas no
sistema social. As noções de indivíduo e de pessoa são fundamentais na análise
socioantropológica. A noção de pessoa surgiu claramente com a antropologia de
Marcel Mauss (2003), sendo progressivamente individualizada até abstrairmos à
ideia concreta da pessoa como “ser psicológico” e altamente individualizado. A
ideia de Mauss de que a pessoa era de fato um ponto de encontro entre a noção
de indivíduo psicológico e uma unidade social. Mas é importante observar que,
para ele, a noção de pessoa desembocava na ideia de indivíduo. A noção de
indivíduo é também social. Em seguida, deseja revelar que a noção de indivíduo
pode ser posta em contraste com a ideia de pessoa. Ou seja, que exprime outro
aspecto individual da realidade humana. As duas noções permitem introduzir
na análise sociológica o dinamismo necessário para poder revelar a relação dialética no âmbito do
universo social. É aquilo que é tomado em sua reflexividade e, decerto, empiricamente elaborado por alguma
entidade, de modo que ela possa tomar uma posição lógica ou criar uma perspectiva de
interpretação.
Mas no plano global, é variado o
desenvolvimento dos processos de civilização, assim como de cada figuração dos
modelos de civilização. O conceito de caráter nacional pode ter valia como
instrumento de pesquisa social para a constituição de uma análise crítica no
âmbito da teoria da civilização. Analogamente, é variado o desenvolvimento dos
processos especiais de civilização, assim como de cada figuração, como veremos
en passant, sobre dois modelos pragmáticos de civilização. Estes últimos
encontram uma de suas expressões mais prementes no habitus social comum dos
indivíduos que formam uma tribo ou Estado. Eles são herdeiros não só de uma
linguagem específica, mas também de um modelo crível específico de civilização
e, portanto, de formas específicas de autorregularão, que eles absorvem
mediante o aprendizado de uma linguagem comum e nas quais, então, se encontram:
no caráter comum do habitus social, da sensibilidade e do comportamento dos
membros de uma tribo ou de um Estado nacional. O conceito de caráter
nacional refere-se precisamente a isso. Ipso facto, ele pode ter
valia como instrumento abstrato de pesquisa no âmbito da teoria da civilização.
Dentre os elementos espirituais comuns aos processos de civilização, assim como
contrariamente a todos os processos sociais de descivilização, destaca-se sua
direção contumaz na vida existencial como produto da realidade humana.
Neste
caso, basta uma seleção de critérios para o direcionamento de processos de
civilização. Em uma investigação de longo alcance, descobre-se que o equilíbrio
entre ambas, e também o equilíbrio entre autocoações e coações das pulsões e o
tipo de assentamento individual das autocoações no curso do processo da
civilização humana, transforma-se no sentido de uma direção específica. As
sociedades urbanas do Ancien Régime referem-se originalmente ao sistema social
e político aristocrático que foi estabelecido na França. Trata-se
principalmente de um regime centralizado e absolutista, em que o poder era
concentrado nas mãos fabulosas do rei. Também se atribui o termo ao modo de
viver característico dos gentios europeus entre os séculos XV e XVIII, isto é,
amparados desde acumulação de riquezas com as invasões marítimas até às
revoluções liberais. Coincidiu politicamente com as monarquias absolutas,
economicamente com o capitalismo social, e socialmente com a sociedade de
ordens. As estruturas sociais e administrativas do Antigo Regime foram
resultado de anos de imaginação política liberal, atos públicos legislativos,
conflitos e guerras internas, quando tais circunstâncias permaneceram como uma
espécie de mistura difusa de privilégios e disparidades históricas. Embora sua
utilização seja coetânea à Revolução Francesa, o maior responsável pela fixação
da expressão Ancien Régime na literatura foi Alexis de Tocqueville,
autor do ensaio L`Ancien Régime et la Révolution (1856), que indica
precisamente que “a Revolução Francesa batizou aquilo que aboliu”. Desde o
ponto de vista abstrato do conservantismo, o termo Antigo Regime
carregava uma certa nostalgia de “paraíso perdido”. Talleyrand-Périgord que
ocupou o cargo político de Ministro dos Negócios Estrangeiros em quatro gestões
e de primeiro Primeiro-Ministro em 1815, sob Luís XVIII depois da restauração
francesa, chegou a dizer que “os que não conheceram o Antigo Regime
nunca poderão saber o que era a doçura de viver”.
As sociedades urbanas do Antigo
Regime eram regidas pela exigência de representação. Expressão tão cara que
na verdade as representações teatrais não estavam mais circunscritas aos
espetáculos da Paixão, interpretados pelos fiéis no adro das igrejas, quando as
festas religiosas, ou reservadas a uma elite de cortesãos reunidos em volta do
rei, mas tornavam-se a diversão urbana por excelência. Desde meados do século
XVIII, em quase todas as grandes capitais europeias, e cada vez mais, nas
grandes cidades de província, as salas permanentes haviam se multiplicado. A
ópera, a comédia, a ópera-cômica, mas também os espetáculos em feiras abertas
atraiam um público receptor denso e por vezes heterogêneo, segundo Lilti (2014),
composto por nobres, burgueses e mesmo por pessoas do povo, que se amontoavam,
em Paris, no parterre da Comédie-Française. Na Europa deste
século, os espetáculos haviam se tornado um traço essencial da cultura urbana.
Mas duas críticas fizeram-se ouvir: a primeira colocava em questão o caráter
oficial e nada autêntico de uma vida social em que cada um representava um
papel; a segunda denunciava a corrupção provocada pelo sucesso dos teatros. Mas
se eram distintos, convergiam na denúncia dos efeitos deletérios das grandes
cidades. O novo ideal da autenticidade pessoal, fundado na sensibilidade e na
sinceridade, permitia atacar o princípio de separação que, ambientados nos
espetáculos urbanos, colocava face a face atores profissionais, nem sempre bem pagos
para representar sentimentos que não vivenciavam, e espectadores receptivos,
fascinados pelos simulacros de ação. Jean-Jacques Rousseau
opunha-lhes a “festa da aldeia”, em que participavam ativamente da
efusão radiante coletiva.
Como estopim o comércio de escravos
e o tráfico humano se expandiram em escala global. As revoluções desafiaram a
legitimidade das estruturas de poder monárquicas e aristocráticas, incluindo o
significado das crenças que apoiavam o comércio escravagista, exceto nas
Américas. O período é reconhecido como “século das luzes” ou “século da razão”
quando entrava em cena Hegel com a concepção de fenomenologia. Durante o século
XVIII elementos sociais e políticos do pensamento iluminista culminaram nas Revolução
Americana (1775-1783), na Revolução Francesa (1789-1799) e Revolução Haitiana (1791-1804).
Na Europa continental, os filósofos se empenhavam, cada qual a seu modo, como
uma dimensão explicativa da natureza humana. E se tornou realidade com a
Revolução Francesa de 1789, consagrada pelo Reino do Terror. No início, muitas
monarquias da Europa abraçaram os ideais do Iluminismo, mas na esteira radical,
temiam a perda de poder e formaram coalizões para a contrarrevolução. A música
incluiu obras características do período barroco tardio, incluindo os notáveis Johann
Sebastian Bach e George Frédéric Handel e do período clássico, incluindo Joseph
Haydn e Wolfgang Amadeus Mozart. O Império Otomano experimentou um período sem
precedentes de paz e expansão econômica, não participando de guerras europeias da
década de 1740 a 1768. O império não foi exposto às melhorias militares da
Europa na Guerra dos Sete Anos (1756-1763). Os militares do Império
Otomano podem ter ficado para trás e sofrido derrotas contra a Rússia na
segunda metade do século XVIII. O século
também marcou o fim da República das Duas Nações (Polônia e Lituânia) como um
Estado independente.
Elisabeth da Bohemia. |
O poderoso e vasto reino, que conquistou a cidade Moscou e derrotou grandes exércitos otomanos, ruiu sob inúmeras invasões. Seu sistema social de governo semidemocrático não era robusto o suficiente para rivalizar com as monarquias imperialistas vizinhas do Reino da Prússia, do Império Russo e também do Império Austríaco, que dividiram os territórios da República entre si, mudando as civilizações da Europa Central e da política pelos próximos cem anos. A comunidade polaco-lituana ou Primeira República da Polônia, representou um dos maiores e mais populosos países da Europa no século XVII. Sua estrutura política constituída pela república aristocrática, semifederal e semiconfederada, foi constituída em 1569, pela União de Lublin, que consagrou o Reino da Polônia e o Grão-Ducado da Lituânia, e durou nesta forma até a adoção da Constituição de 3 de maio de 1791. A República abrangia não apenas os territórios do que é a Polônia e a Lituânia, mas também o território da Bielorrússia e Letônia, grande parte da Ucrânia e também da Estônia e a parte ocidental da atual Rússia (óblasts de Smolensk e Kaliningrado). Originariamente as línguas oficiais da República eram o polonês e o latim, no Reino da Polônia e o ruteno e o lituano, no Grão-Ducado da Lituânia.
A
República foi uma extensão da União Polaco-Lituana, uma união pessoal entre
aqueles dois Estados que existia histórica e culturalmente desde 1386. O
sistema político da República, frequentemente chamado de “democracia dos nobres”
ou “liberdade dourada”, foi caracterizado pela redução, por meio de leis
férreas, do poder do soberano e pelo controle do Poder legislativo (Sejm)
pela nobreza (szlachta). Este sistema político foi o precursor das
concepções modernas de ampla democracia e de monarquia
constitucional, bem como de federação. Os dois Estados que compunham a
República eram formalmente iguais, embora na realidade a Polônia fosse o
parceiro dominante na união. A Igreja Católica Apostólica Romana tinha grande
influência nos assuntos da República, mesmo assim o Estado foi capaz de manter
uma relativa tolerância religiosa, embora o seu grau tenha variado com o tempo.
Sua economia foi baseada principalmente na agricultura. Enquanto que o primeiro
século da República foi uma “era dourada”, tanto para a Polônia quanto para a
Lituânia, o segundo século foi marcado por derrotas militares, um retorno à
servidão humana, para os camponeses e o crescimento do anarquismo na vida
política. Pouco antes de sua dissolução, a República adotou a terceira
constituição nacional codificada mais antiga do mundo ocidental na história
moderna, depois da Constituição da Córsega de 1755, documento fundacional da
efémera República da Córsega ocorrido no período de 1755 a 1769, e da
Constituição dos Estados Unidos da América.
Em
ciência política, chama-se forma de governo, ou sistema político, o
conjunto de instituições políticas por meio das quais um Estado se organiza a
fim de exercer o seu poder político sobre a sociedade. Tais instituições têm
por objetivo regular a disputa pelo poder político e o seu respectivo
exercício, inclusive o relacionamento entre aqueles que o detêm a autoridade com
os demais membros da sociedade da sociedade civil. A forma de governo adotada
por um Estado não deve ser confundida nem com a forma de Estado: unitário, federal ou confederado, nem com seu
sistema de governo como o presidencialismo, parlamentarismo, dentre outros. Outra
medida de cuidadosa a ser observada ao estudar-se o assunto é ter presente o
fato de que é preciso saber categorizar as formas institucionais de governo.
Cada sociedade é única em muitos aspectos e funciona segundo estruturas de
poder e sociais específicas. É neste sentido que é oportuno, hic et nunc,
caracterizar a importância de quatro conceitos sociológicos fundamentais na
pena de Norbert Elias (2006) que nos impele a reflexão sobre o poder no mundo
contemporâneo, além de revelar-nos sua convicção no ersatz da sociologia
como esclarecimento e enraizamento da civilização. No uso cotidiano da
linguagem e do pensamento, o conceito de civilização é, muitas vezes, despedido
de seu caráter originalmente processual, como derivação do equivalente francês
“civilizer”. Daí para realmente pesquisar o processo de civilização é
necessário saber a que elementos comuns não-variáveis dos seres humanos, assim
como a que elementos diversos e variáveis, o conceito de civilização se refere.
Em
primeiro lugar, não queremos perder de vista que a coação social à autocoação e
a apreensão de uma autorregulação individual, no sentido de modelos sociais e
variáveis de civilização, são universais sociais. Encontramos em todas as
sociedades humanas uma conversão das coações exteriores em autocoações. O que
devemos precisar abstratamente, é que embora as coações exteriores, tanto de
tipo natural ou de teoria, como fato social, depois de Émile Durkheim apresentam
esse nível abstrato e específico de análise empírica. Neste âmbito conspícuo
sobre o suicídio, com a primeira monografia sociológica sobre o tema, em 1897,
sejam indispensáveis para o desenvolvimento das autocoações individuais, embora
nem todos de coação exterior, infere Elias, são apropriados para produzir o
desenvolvimento de instâncias individuais de autocoação e muito menos para
fomentá-las em massa, sem afetar a capacidade individual de satisfação dos
afetos e das pulsões entre o mental e o somático. A coação exterior na
violência física é menos indicada para a formação de instâncias constantes de
autocontrole que a persuasão paciente. As coações exteriores que oscilam entre
a ameaça violenta e a demonstração calorosa de amor são menos indicadas do que
as coações exteriores constantes fundamentadas no calor humano afetivo que ainda
nos dá esperança e segurança.
A
publicação única e inédita em seu tempo demonstrou um exemplo de como uma
monografia sociológica deveria ser escrita. Neste aspecto sobre coerções
exteriores permanece vívida a história social, ou mítica, do jovem alemão Kaspar
Hauser (cf. Blikstein, 1990; Feuerbach, 1996). Ele tornou-se reconhecido na
Alemanha ao afirmar que havia passado toda a sua vida em uma masmorra. Sem
contato social com humanos, sendo alimentado apenas através de pão e água. Na
narrativa o jovem, supostamente com quinze anos de idade, apareceu em uma praça
pública de Nuremberg, em 26 de maio de 1828, com uma carta nas mãos endereçada
a um capitão da cidade, explicando parte de sua história. Um pequeno livro de
orações, entre outros itens que indicavam que ele provavelmente pertencia a uma
família ligada a nobreza. Kaspar tornou-se o centro das atenções de Nuremberg
e, em pouco tempo, surgiram rumores de que deveria ser o príncipe herdeiro da
família real de Baden, no sudoeste da Alemanha, que havia sido roubado do berço
em 1812. Mas a descrição original do caso pertence ao jurista alemão Paul Johann Anselm Ritter von Feuerbach (1775-1833), o
qual redigiu um livro sobre sua história: “Kaspar Hauser. Um caso de um crime
contra a alma de um ser humano”. Responsável pela abolição da tortura na
Bavária e pai do filósofo Ludwig Feuerbach, ele era o presidente da corte de apelação
de Ansbach e tinha jurisdição sobre o caso.
O
texto de Paul Johann Feuerbach, editado originalmente em 1832, foi traduzido
para o inglês por Jeffrey Moussaieff Masson, um expressivo autor norte-americano,
reconhecido por suas conclusões sobre Sigmund Freud e a concepção de psicanálise,
em 1996, com uma importante introdução e comentários. Coube também a Jeffrey Masson
o descobrimento do diário do filósofo e poeta Georg Friedrich
Daumer, que emerge entre os mais sensíveis e diversos defensores do
vegetarianismo e dos direitos dos animais ao longo do século XIX, ipso facto,
o primeiro preceptor do jovem Kaspar Hauser, como consta nos arquivos
pertencentes a Hermann Pies (1888-1983), que foi o mais renomado pesquisador do
assunto. Como passou quase toda a sua breve e conturbada vida aprisionada numa
cela, não tendo contato verbal e visual com nenhuma outra pessoa, não conseguia
se expressar em um idioma qualquer. Porém, logo lhe foram ensinadas as
primeiras palavras e, com o seu posterior contato com a sociedade, ele pôde
pausadamente aprender a falar, mas da maneira que uma criança. Ele havia sido
destituído somente da língua materna que é um produto social da faculdade de
linguagem, não da própria faculdade em si. O Apartheid social de
que foi vítima não o privou apenas da fala, mas de uma série de conceitos e
raciocínios, o que fazia, por exemplo, que Kaspar Hauser não conseguisse
diferenciar sonhos de realidade durante o período em que passou aprisionado. O apartheid é de fato a segregação com base na classe ou no status econômico de
exclusão do trabalho, no qual uma subclasse é forçada a subsistir
separada do resto da sociedade.
A certeza sensível, observou
Hegel, não se apossa do verdadeiro, já que a verdade dela é o universal, mas a
certeza sensível de captar o isto. A percepção, ao contrário, toma como
universal o que para ela é o essente. Como a universalidade é seu princípio em
geral, assim também são universais seus momentos, que nela se distinguem
imediatamente: o Eu é um universal, e o objeto é um universal. O princípio do
objeto – o universal – é em sua simplicidade um mediatizado; assim tem de
exprimir isso nele, como sua natureza: por conseguinte se mostra como a coisa
de muitas propriedades. Pertence à percepção a riqueza do saber sensível, e não
à certeza imediata, na qual só estava presente como algo em-jogo-ao-lado. Com
efeito, só a percepção tem a negação, a diferença, ou a múltipla variedade em
sua essência. À medida que exprime isso em sua imediatez, é uma propriedade
distinta determinada. Dessa sorte estão postas ao mesmo tempo muitas
propriedades desse tipo, sendo uma o negativo da outra. Enquanto expressas na simplicidade
universal, essas determinidades, que só são a rigor propriedades por
meio de uma determinação ulterior que lhes advém, relacionam-se consigo mesmas,
são indiferentes umas em relação às outras: cada uma é para si, livre da outra.
Mas a universalidade simples, igual a si mesma, é de novo distinta e livre
dessas determinidades: é o puro relacionar-se-consigo ou o meio, onde
são todas essas determinidades. Interpenetram-se nela, como uma unidade bem simples,
mas sem se tocarem; porque são indiferentes para si, justamente por meio da
participação per se nessa universalidade. Esse meio universal abstrato,
que pode chamar-se coisidade, não é outra coisa que a representação do
aqui e agora.
A consciência, para a qual existe
agora um ser sensível, é somente um visar, isto é, saiu totalmente para
fora do perceber, e regressou a si mesma. Só que o ser sensível e o visar
passam, eles mesmos, para o perceber: sou relançado ao ponto inicial, e de novo
arrastado no mesmo circuito – o qual se suprassume em cada momento e como um todo.
Qualquer consciência suprassume de novo uma verdade do tipo: o aqui é uma
árvore ou: o agora é meio-dia, e enuncia o contrário: o aqui não é nenhuma
árvore, mas uma casa. A consciência também suprassume logo o que é afirmação de
um isto sensível, nessa firmação que suprassume a primeira. Assim, em toda
certeza sensível só se experimenta, em verdade, o que já vimos: a saber, o isto
como um universal – o contrário do que aquela afirmação garante ser a
experiência universal. A consciência,
portanto, percorre necessariamente esse círculo, mas ao mesmo tempo não é do
mesmo modo que na primeira vez. Ela fez, justamente, sobre o perceber a
experiência de que o resultado e o verdadeiro dele é sua dissolução ou a
reflexão sobre si mesma, a partir do verdadeiro. Sendo assim, ficou determinado
para a consciência como é que seu perceber está constituído, isto é: não
consiste em ser um puro apreender simples, mas em ser seu apreender ao mesmo
tempo refletido em si a partir do verdadeiro. Esse retorno da consciência a si
mesma, se insere imediatamente no puro apreender, altera o verdadeiro. A consciência reconhece esse aspecto como o
seu, e o toma sobre si; e assim fazendo, manterá puro o objeto verdadeiro.
Assim, na concepção dialética de Hegel, temos a passagem da
representação abstrata, para o conceito claro e concreto através do
acúmulo de determinações. Aquilo que por movimento dialético separa e distingue
perenemente a identidade e a diferença, sujeito e objeto, finito e infinito, é
a alma vivente de todas as coisas, a Ideia Absoluta que é a força geradora, a
vida e o espírito eterno. Mas a Ideia Absoluta seria uma existência abstrata se
a noção de que procede não fosse mais que uma unidade abstrata, e não o que é
em realidade, isto é, a noção que, por um giro negativo sobre si mesma,
revestiu-se novamente de forma subjetiva. A determinação mais simples e
primeira que o espírito pode estabelecer é o Eu, a faculdade de poder abstrair
todas as coisas, até sua própria vida. Chama-se idealidade precisamente
esta supressão da exterioridade. Entretanto, o espírito não se detém na concreta
apropriação, transformação e dissolução da matéria em sua universalidade, mas,
enquanto consciência religiosa, por sua faculdade representativa, penetra e se
eleva através da aparência dos seres, uno, infinito, que conjunta e anima
interiormente todas as coisas, enquanto pensamento filosófico, como princípio
universal, a ideia eterna que as engendra e nelas se manifesta. Isto quer dizer
que o espírito finito se encontra inicialmente numa união imediata com a
natureza, a seguir em oposição com esta e finalmente em identidade com esta,
porque suprimiu a oposição e voltou a si mesmo e, consequentemente, o espírito
finito é a ideia, mas ideia que girou sobre si mesma e que existe por si em sua
própria realidade.
A Ideia absoluta que para realizar-se colocou como oposta a si, à natureza, produz-se através dela como espírito, que através da supressão de sua exterioridade entre inicialmente em relação simples com a natureza, e, depois, ao encontrar a si mesma nela, torna-se consciência de si, espírito que conhece a si mesmo, suprimindo assim a distinção entre sujeito e objeto, chegando assim a Ideia a ser por si e em si, tornando-se unidade perfeita de suas diferenças, sua absoluta verdade. Com o surgimento do espírito através da natureza abre-se a história da humanidade e a história humana é o processo que medeia entre isto e a realização do espírito consciente de si. A filosofia hegeliana centra sua atenção sobre esse processo e as contribuições mais expressivas de Hegel ocorrem precisamente nesta esfera, do espírito. Melhor dizendo, para Hegel, à existência na consciência, no espírito chama-se saber, conceito pensante. O espírito é também isto: trazer à existência, isto é, à consciência. Como consciência em geral tenho eu um objeto; e pensando assim, uma vez que eu existo e ele está na minha frente diante de mim. Mas enquanto o Eu é o objeto de pensar, é o espírito precisamente isto: produzir-se, sair fora de si, saber o que ele é. Nisto consiste a grande diferença: o homem sabe o que ele é. Logo, em primeiro lugar, ele é real. Sem esse entendimento, a razão, a liberdade não são nada.
O
homem é essencialmente razão. O homem, a criança, o culto e o inculto, é razão.
Ou melhor, a possibilidade para isto, para ser razão, existe em cada um, é dada
a cada um. A razão não ajuda em nada a criança, o inculto. É somente uma
possibilidade, embora não seja uma possibilidade vazia, mas possibilidade real
e que se move em si. Assim, por exemplo, dizemos que o homem é racional, e
distinguimos muito bem o homem que nasceu somente e aquele cuja razão educada
está diante de nós. Isto pode ser expresso também assim: o que é em si, tem que
se converter em objeto para o homem, chegar à consciência; assim chega para ele
e para si mesmo. A história para Hegel, é o desenvolvimento do Espírito no
tempo, assim como a Natureza é o desenvolvimento da ideia no espaço. Deste modo
o homem se duplica. Uma vez, ele é razão, é pensar, mas em si: outra, ele
pensa, converte este ser, seu em si, em objeto do pensar. Assim o próprio
pensar é objeto, logo objeto de si mesmo, então o homem é por si. A
racionalidade produz o racional, o pensar produz os pensamentos. O que o ser em
si é se manifesta no ser por si. Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda
ciência, inclusive toda atividade sensível humana, como o trabalho, o pensar, não
possui nenhum outro interesse além do aquilo que filosoficamente é em si, no
interior, podendo manifestar-se desde si mesmo, produzir-se, transformar-se
objetivamente. Nesta diferença se descobre toda a diferença na história do
mundo. Os homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o
homem seja livre. Esta é a sua natureza. Isto pertence à essência do
homem: a liberdade.
É permanente na memória social a
ideia de que Kaspar Hauser viveu com alguns tutores até ser assassinado com uma
facada no peito, em dezembro de 1833, nos jardins do palácio de Ansbach, um
castelo localizado no vilarejo de Ansbach, que até o século XVII era reconhecido
como Onolzbach Francónia, localizada na região administrativa de Mittelfranken,
região administrativa (Regierungsbezirke) da Alemanha, formando parte da
antiga região da Francônia, sua capital é a cidade independente de Ansbach (kreisfreie
Städte) ou distrito urbano (Stadtkreis), melhor dizendo, que possui a
autonomia de estatuto urbano de distrito (Kreis). A sede administrativa
do distrito homônimo está localizada na cidade, apesar da cidade não pertencer
ao distrito. No ano 748 um mosteiro beneditino foi fundado por um nobre fancônio
de nome Gumbertus nos arredores do crescente vilarejo. Nos séculos seguintes,
tanto o mosteiro quanto o vilarejo desenvolveram-se, formando a cidade de
Ansbach, documentada pela primeira vez em 1221. O local pertenceu ao condado de
Oettingen de uma família nobre alemã e também um condado do Sacro Império
Romano localizado a leste do moderno estado federal de Baden-Württemberg e a
oeste da Baviera, que passou administrativamente em 1331 para os governadores
de Nuremberg, os Hohenzollern. Estes fizeram de Ansbach o centro da sua
dinastia até que em 1415 adquiriram o eleitorado de Brandenburg. Mesmo depois
da morte de Frederico I, marquês de Brandemburgo, em 1440, uma linhagem da
família Hohenzollern de nome Brandenburg-Ansbach continuou a governar Ansbach. Em
1528 a cidade é influenciada pela Reforma e o protestantismo, à secularização da abadia de São Gumbertus em 1563. Em 1792 os
Hohenzollern da Prússia anexam Ansbach. Em 1796 o Duque de
Zweibrücken, Maximilian Joseph, o posterior rei Maximiliano I da Baviera,
exilou-se em Ansbach depois de ser encarcerado pelos franceses.
Maximilian
de Montgelas elabora um conceito sobre a futura organização política da
Baviera, conhecida pelo nome de Ansbacher Mémoire. A partir deste
conceito a Prússia cede em 1806 a cidade de Ansbach e seus condados à Baviera
em troca do condado de Berg. No final do século XVII o palácio dos marqueses de
Ansbach foi remodelado no estilo barroco. De 1831 a 1833 Kaspar Hauser, a famosa
personagem histórica, viveu em Ansbach e foi assassinado nos jardins do
palácio. As circunstâncias e motivações do crime jamais foram esclarecidas,
apesar da recompensa de 10.000 Gulden oferecida pelo rei Luís I da Baviera para
quem pegasse o assassino. A bibliografia destinada a desvendar a real
identidade de Kaspar Hauser é composta por mais de 400 livros e 2 mil artigos.
Alguns biógrafos são a favor da teoria do príncipe, de que Kaspar Hauser era um
garoto que foi abandonado na cidade. Ele talvez tenha inventado a história da
masmorra para despertar a generosidade social. De acordo com alguns historiadores
é provável que Kaspar Hauser tenha sido o filho “ilegítimo” de alguma família elitista,
ou aristocrática, do vilarejo que foi criado em alguma fazenda isolada e
abandonado na cidade quando os parentes não quiseram mais o manter. Narrar uma
história fantástica sobre como foi maltratado teria sido uma estratégia
para comover as pessoas e conseguir dinheiro, amigos e fama. O conceito de figuração
distingue-se de muitos outros conceitos abstratos da sociologia por incluir
expressamente os seres humanos em sua formação.
Contrasta
decididamente com um tipo amplamente dominante de formação de conceitos que se
desenvolve sobretudo na investigação de objetos sem vida, no campo analítico da
física e da filosofia para ela orientada.
Há figurações de estrelas, assim como de plantas e de animais. Mas
apenas os seres humanos formam figurações uns com os outros. O modo de sua vida
conjunta em grupos grandes e pequenos é, de certa maneira, singular e
co-determinado pela transmissão de conhecimento de uma geração a outra,
portanto por meio do ingresso do singular no mundo simbólico específico de uma
figuração já existente de seres humanos. Às quatro dimensões espaço-temporais
indissoluvelmente ligadas se soma, no caso dos seres humanos, uma quinta
relação, a dos símbolos socialmente aprendidos. Sem sua apropriação, por
exemplo, sem o aprendizado de determinada língua especificamente social, os
seres humanos não seriam capazes de se orientar no seu mundo nem de se
comunicar uns com os outros. Um ser humano adulto que não teve acesso aos
símbolos da língua e do conhecimento de determinado grupo humano permanece fora
de todas as figurações humanas e, portanto, não é propriamente um ser humano. O
crescimento de um jovem como ocorre em Kaspar Hauser, em figurações humana,
como processo social e experiência, como o aprendizado de um determinado
esquema de autorregulação na relação com os seres humanos, é condição
indispensável ao desenvolvimento rumo à humanidade. Daí que tanto a socialização
como a individualização de um ser
humano representam nomes diferentes para o mesmo processo. Nunca é demais
repetir que o convívio dos seres humanos em sociedades tem sempre, mesmo no
caos, na desintegração, na maior desordem social, uma forma absolutamente
determinada. É isso que o conceito de figuração exprime, mas agrupam-se sempre
na forma específica.
Seres humanos singulares convivem com os outros em figurações determinadas. Os seres humanos singulares se
transformam. As figurações que eles formam uns com os outros também se
transformam. Um ser humano singular pode ter relativa autonomia em relação a
determinadas figurações, mas em relação às figurações em geral, quando muito,
apenas em casos extremos, por exemplo, o da loucura. As figurações podem ter
autonomia relativa em relação a determinados indivíduos que as formam no aqui e
agora, mas nunca em relação aos indivíduos em geral. Um ser humano singular
pode possuir uma liberdade de ação que lhe permita desligar-se de determinada
figuração e introduzir-se em outra, mas se e em que medida isto é possível
depende de fato das peculiaridades da figuração em questão. Max Weber tentou
resolver esse problema central da sociologia, qual seja, o da relativa
autonomia das figurações frente aos indivíduos que as formam, criando o
conceito de tipo ideal, admitindo que nas figurações não existem a não
ser como possibilidade de abstrações idealizadas de aglomerados menos
ordenados de agentes individuais e de suas ações orientadas expressamente para
outros agentes. Ele também não percebia que as figurações que os seres humanos
formam uns com os outros são tão reais quanto cada um desses seres humanos
considerados por si só.
Se
em sua originalidade o filósofo Émile Durkheim percebeu a realidade das
figurações, ele as via como algo que existia fora do ser humano singular. Mas não
foi capaz de conjuga-las à existência dos seres humanos singulares. Quando
falamos de figurações, afirma Norbert Elias, dispomos de uma imagem do ser
humano e de um instrumento conceitual mais adequado à realidade e, com o devido
auxílio metodológico podemos evitar o tradicional dilema da sociologia: “aqui o
indivíduo, ali a sociedade”, dilema mormente que se baseia na verdade em um
jogo, de tipo extracientífico, com palavras ou com valores de poder. O conceito de processo social refere-se às
transformações amplas, contínuas, segundo Fernand Braudel, longue durée,
utilizado por ele em sua tese doutorado de 1949, introduziu uma nova maneira de
abordagem dos acontecimentos históricos, em geral não aquém de três gerações de
figurações formadas por seres humanos, ou de seus aspectos sociais, em uma de
duas direções opostas. Em 1958, por ocasião de uma controvérsia com Claude
Lévi-Strauss, ele teoriza em sua obra A Longa Duração o modelo da
pluralidade dos tempos históricos. La Méditerranée evidencia sua função
do milieu géographique na compreensão do real. As atividades humanas são
indissociáveis dos meios aos quais se inserem. Uma delas, tem, geralmente, o
caráter de uma ascensão, a outra o caráter de um declínio. Eles independem do
fato do respectivo observador os considerar bons ou ruins. Exemplos disso são a
diferenciação crescente e decrescente de funções sociais, o aumento ou a
diminuição do “capital social” ou do patrimônio social do saber, do nível de
controle humano sobre a natureza não-humana ou da composição ou compaixão por
outros homens, pertençam eles ao grupo que for. É inerente às peculiaridades
dos processos sociais que sejam bipolares, mas diferentemente do processo
biológico evolutivo, os processos sociais são reversíveis. Surtos em uma
direção podem dar lugar a surtos contrários e ambos podem ocorrer
simultaneamente. Inversamente, um processo dominante de desintegração social,
como o processo de feudalização, pode conduzir a uma reintegração sob novas
bases, a princípio parcial e a seguir dominante; daí na política ocorrer um
novo processo de formação do Estado. Os instrumentos conceituais que enformam
as categorias e conceitos para a determinação e a investigação de processos
sociais são pares conceituais como: integração e desintegração, engajamento
e distanciamento, civilização e descivilização, ascensão
e declínio social.
Sabemos que as grandes navegações incluíam a
mística da cruzada cristã com interesse mercantil. Os navios da esquadra de Pedro Alvares Cabral
que estiveram nas costas brasileiras em 1500 eram “algumas das mais
sofisticadas máquinas disponíveis à humanidade”. Tinham uma complexa tecnologia
propulsora baseada em um conjunto de mastros e velas que proporcionava boa
capacidade de manobra e movimentação em mar alto. Equipamentos de navegação
como bússola e astrolábio facilitavam ao navio se afastar das costas. O
armazenamento de víveres permitia um planejamento calculado para que se
percorressem longas distâncias. O armamento de canhões de carregar pela boca
com pólvora e balas esféricas dava um poder de fogo sem rival no resto do
planeta. Para o empreendimento dar certo, era necessária uma base tecnológica
adequada. Todos esses fatores técnicos e sociais estavam representados entre os
cerca de 1.500 homens que tripulavam os 13 navios da frota cabralina. A maneira
como esses navios eram habitados, navegados e comandados resumia-se em um
universo múltiplo, racional e fechado do empreendimento civilizatório
português. No comando da empresa colonial estavam os abastados fidalgos
aristocratas. Religiosos embarcados cuidavam de manter a bordo o enorme poder
que a Igreja tinha em Portugal. Havia técnicos especializados em navegação,
como os pilotos, que eram as pessoas mais importantes a bordo depois do capitão
e ninguém mais podia interferir no seu julgamento sobre as manobras do navio.
Seu local de trabalho abstrato e concreto era sentado numa cadeira que ficava
ao lado da agulha de marear: a preciosa bússola. Navegadores antigos tinham uma
frase gloriosa: - “Navegar é preciso; viver não é preciso”.
Historicamente o Cais do Valongo construído em 1811, no Rio de Janeiro, foi local de desembarque e comércio de escravos africanos que durante vinte anos de operação mercantil desembarcaram até 1831, entre 500 mil e 1 milhão de escravos mesmo com a proibição do tráfico transatlântico. Era o maior porto escravagista da história da humanidade. Um mercado que se intensificou a partir da construção do Cais, porta de entrada de mais de 500 mil africanos, em sua maioria, vindos do Congo e de Angola, Centro-Oeste africano. O desembarque ocorria no porto, ponto nobre do Rio de Janeiro Imperial. Em 1843, o cais foi reformado para o desembarque da princesa Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias, que viria a se casar com o imperador D. Pedro II, alcunhado o Magnânimo, foi o segundo e último Imperador do reinado do Brasil durante 48 anos, de 1840 até sua deposição em 1889. Nascido no Rio de Janeiro foi o filho mais novo do imperador Pedro I do Brasil e da imperatriz Dona Maria Leopoldina de Áustria, foi arquiduquesa da Áustria, a primeira esposa do imperador D. Pedro I e Imperatriz Consorte do Império do Brasil de 1822 até sua morte, também brevemente sendo Rainha Consorte do Reino de Portugal e Algarves entre março e maio de 1826. e, portanto, membro legítimo do ramo brasileiro da Casa de Bragança. A abdicação do pai e sua viagem para a Europa tornaram Pedro imperador com cinco anos, perdendo sua infância e adolescência; estudando a arte do poder em preparação para imperar. Suas experiências com as reconhecidas intrigas palacianas e disputas políticas durante este período tiveram grande impacto na formação de seu caráter.
Um cais, do céltico, através do
francês antigo quai, é uma estrutura, geralmente uma plataforma fixa em
estacas, ou região à beira da água, na borda de uma abra ou de um porto, onde
barcos podem atracar e aportar para carregar e descarregar carga e passageiros.
Inclui atracadouros, como local para amarras e pode também incluir píeres,
armazéns e outros equipamentos necessários para manipular barcos. É normalmente
formado por uma passarela, seja de pedras ou madeiras, que se fixam no fundo do
leito do rio, lago ou mar. Um cais pode representar também um nível mais alto
ou calçada. Geralmente recoberto de pedras, ao longo percurso de um rio ou
canal, ou a avenida que passa no uniforme corredor dessas calçadas. Um cais é
uma estrutura ou região construída paralelamente à água, usualmente destinada
para embarcações aportarem nela, em uma abra ou porto. Uma avenida construída
paralelamente à água, ou próxima de um cais, pode ser reconhecida como um cais.
Até meados da década de 1770, os escravos desembarcavam na Praia do Peixe,
Praça XV de Novembro (RJ), e eram negociados na Rua Direita, no centro do Rio
de Janeiro, à vista de todos. Até antes do início dos assentamentos no Morro do
Castelo, as bases da cidade fundada por Estácio de Sá, uma aldeia
no Morro Cara de Cão, ao lado do majestoso morro do Pão de Açúcar.
Por
decisão de Mem de Sá, a então cidade que nasceria de pedra e telha teria como
novo local de assentamento o Morro do Castelo, onde um forte seria erguido. O
caminho que viria a ser a Rua Direita, era um prolongamento do antigo caminho
que viria também a ser a antiga e extinta Rua da Misericórdia, que por sua vez
chegava ao Largo da Misericórdia, que ainda existe, no local onde era o sopé do
Morro do Castelo. Era do Largo da Misericórdia, o primeiro Largo do Rio de
Janeiro, de onde se pegava a subida para o morro, através da Ladeira da
Misericórdia. Desta ladeira, ainda existe um trecho que foi mantido. Em 1774,
uma nova legislação, estabeleceu a transferência desse mercado negreiro para a
região do Valongo, por iniciativa do segundo Marquês de Lavradio, dom Luís de
Almeida Portugal Soares de Alarcão d Eça e Melo Silva Mascarenhas, vice-rei do
Brasil, alarmado com “o terrível costume de tão logo os pretos desembarcarem no
porto vindos da costa africana, entrarem na cidade através das principais vias
públicas, não apenas carregados de inúmeras doenças, mas nus”. O mercado foi
transferido, mas ainda não havia o ancoradouro. A alternativa foi desembarcar
os escravos na alfândega e imediato enviá-los de bote ao Valongo, de onde
saltariam diretamente na praia.
Na
peculiaridade histórica brasileira, a camada dirigente atua em nome próprio,
servida dos instrumentos políticos derivados de sua posse do aparelhamento
estatal. Ao receber o impacto de novas forças sociais, a categoria estamental
as amacia, domestica, embotando-lhes a agressividade transformadora, para incorporá-las
a valores próprios, muitas vezes mediante a adoção de uma ideologia diversa, se
compatível com o esquema de domínio. A mudança econômico-social, possível e
ajustável à estrutura política, opera-se até esgotar-se o ânimo criador que
inspirou a ascensão da dinastia de Avis no século XIV. O centro do mundo
desloca-se, na consciência dos atores, para o pequeno palco lusitano, mas
poderoso com a utilização da nau, com um mundo desconhecido aos seus pés. Este
foi seu momento criador, envolvendo todos os quadrantes numa visão egocêntrica,
suscitando imitadores e notáveis epígonos. De tal ânimo, já sombreado da
saudade desesperada, infundindo pela tentativa que acabaria em pó e fumaça,
vibra o poema: Os Lusíadas. É uma obra de poesia épica do escritor português
Luís Vaz de Camões, considerada a epopeia portuguesa por excelência.
Provavelmente concluída em 1556, foi publicada pela primeira vez em 1572 no
período literário do Humanismo, três anos após o regresso do autor do Oriente.
A obra foi impressa pela primeira vez, em 1572 em Lisboa, tendo sido realizadas
34 obras que se encontram em três continentes.
Os caracteres que compõem o nome Japão significam “Origem do Sol”, razão pela qual o Japão é às vezes identificado como a “Terra do Sol Nascente”. O nome japonês Nippon é usado de forma oficial, inclusive no dinheiro japonês, selos postais e para muitos eventos esportivos internacionais. Nihon é um termo mais casual e mais frequentemente utilizados no discurso contemporâneo. Tanto Nippon quanto Nihon, literalmente significam “origem do Sol” e muitas vezes são traduzidos como a “Terra do Sol Nascente”. Esta nomenclatura vem das missões do Império com a dinastia chinesa Sui e refere-se a posição a leste do Japão em relação à China. Foi durante o século XVI que comerciantes e missionários portugueses chegaram ao Japão pela primeira vez, dando início a um intenso período de trocas culturais e comerciais. No Japão, os portugueses praticaram pari passu o comércio e a evangelização. Os missionários, principalmente os sacerdotes da Companhia de Jesus, levaram a cabo um intenso trabalho de missão e em cerca de 100 anos de presença portuguesa no Japão. Em 1582 a comunidade cristã no país chegou a ascender a 150 mil cristãos no Japão e 200 igrejas. Toyotomi Hideyoshi deu continuidade ao governo de Oda Nobunaga e unificou o país em 1590. Depois da morte de Hideyoshi, o regente Tokugawa Ieyasu aproveitou-se de sua posição para ganhar apoio político e militar. Quando a oposição deu início a uma guerra, ele a venceu em 1603 na Batalha de Sekigahara. Tokugawa fundou um novo xogunato, um sistema de governo predominante no Japão de 1192 a 1867, com capital em Edo e expulsou os portugueses e restantes estrangeiros, dando início à perseguição dos católicos no país, tidos como subversivos, com uma política reconhecida como sakoku, a política externa isolacionista japonesa. A perseguição aos cristãos japoneses fez parte desta política, levando esta comunidade à conversão forçada ou mesmo à morte, como é o caso dos 26 Mártires do Japão. Neste período o Japão era uma sociedade feudal relativamente bem desenvolvida com tecnologia pré-industrial. O país era mais povoado do que qualquer país ocidental e tinha, no século XVI, cerca de 26 milhões de habitantes.
Desnecessário
dizer que o poema épico mais genuíno é o canto da construção duma nação com a
ajuda de Deus, ou dos deuses. Os Lusíadas, comparativamente como ocorre
com a Eneida, é uma epopeia moderna, em que o maravilhoso não
passa de um artifício necessário, mas aparentemente literário. A fé única no
Deus cristão é defendida por toda a obra. O poema pode ser lido numa
perspectiva remota, que já era antiga, mas a que fatos recentes haviam dado
acrescida atualidade, a da Cruzada contra o mouro. As lutas no Oriente seriam a
continuação das que já se haviam travado em Portugal e no Norte de África,
dominando ou abatendo o poder do Islão. O próprio movimento civilizatório dos
chamados “descobrimentos” surgiu em seu ersatz de combate ao Império
Otomano que ameaçava a Europa cristã, incapaz de vencer o inimigo em guerra
aberta. Os objetivos passavam por fazer uma concorrência comercial aos
muçulmanos, ao mesmo tempo ganhando proveitos e debilitando a economia dos
rivais. Mas também se ambicionava encontrar aliados dos europeus nas novas
terras, que poderiam ser eles mesmos cristãos, ou passíveis de conversão. Cada
um dos tipos ideais de discurso neste poema evidencia particularidades
estilísticas concretas. Dependendo de que estilo pode ser
heroico e exaltado, empolgante, lamentoso e melancólico, humorístico,
admirador.
Isto é importante na medida em que a
regra de pensamento e universalmente aceita, segundo a qual o que é “social”
não pode ser “individual” e o que é “individual” não pode ser “social”, é um
desses axiomas fossilizados que têm a tendência a serem aceitos na medida em
que todos parecem aceitá-los, mas que desaparecem como a roupa nova do rei
quando são examinados sem preconceitos. As sociedades, segundo Norbert Elias,
não são nada além de indivíduos conectados entre si; cada indivíduo é
dependente de outros, de seu (deles e dele ou dela) amor, de sua língua, de seu
conhecimento, de sua identidade, da manutenção da paz e de muitas outras
coisas. Há algo de intrínseco nessa discussão, pois até mesmo os conflitos de
classe são considerados pelo sociólogo, independentemente do que mais possam
ser, conflitos entre seres humanos individuais. E um conflito entre dois seres
humanos, por mais que possa ser algo único e pessoal, pode ser ao mesmo tempo
representativo de uma luta entre diversos estratos sociais, e no plano
histórico e social remontando evidentemente a várias gerações. O estudo da
gênese de uma profissão, portanto, não é simplesmente a apreciação de um certo
número de indivíduos que tenham sido os primeiros a desempenhar certas funções
para outros e a desenvolver certas relações, mas sim a análise de tais funções
e relações. As descobertas científicas, invenções e o surgimento de novas
necessidades humanas e de meios especializados para satisfazê-las são fatores
que contribuem para o desenvolvimento de uma nova profissão. Contudo, nem as
novas necessidades nem as novas descobertas são, por si sós, sua fonte.
Elas
dependem umas das outras para seu desenvolvimento. As primeiras
tornam-se diferenciadas e específicas apenas em conjunção com técnicas humanas
e especializadas; estas por sua vez, só aparecem esse cristalizam como
ocupações tendo em vista necessidades potenciais ou reais. A profissão naval tomou
forma em um tempo em que a Marinha era uma frota de embarcações a vela. Em
muitos sentidos o treinamento, as tarefas e os padrões dos oficiais navais eram
diferentes de nossa época. O comando de um navio a vela requeria a mente de um
artesão. Apenas pessoa iniciadas em tenra idade na vida no mar poderiam dominar
essa técnica. Muitas pessoas experientes achavam que poderia ser tarde demais,
caso se começasse a ir a bordo somente aos 14 anos, não apenas porque quem o
fizesse teria que se acostumar ao balanço do mar e superar o enjoo o mais
rapidamente possível, mas também porque a arte de amarrar e dar nós em cordas,
a maneira correta de subir ao mastro – segurando o ovém e não a enfrechadura
- e várias outras operações mais complicadas somente poderiam ser
aprendidas com uma prática longa e exaustiva. Para se conhecer o conjunto das
atividades dentro das embarcações a vela, tinha-se que trabalhar, ao menos por
algum tempo, com a habilidade das próprias mãos.
Os
livros tinham pouca serventia. Ao mesmo tempo, todos os oficiais navais, ao
menos do século XVIII em diante, se viam, e queriam ser vistos pelos outros,
como gentlemen. Foi somente no século XVIII que um posto na carreira de
jovens marinheiros, o de aspirante, tornou-se finalmente a base para o
treinamento regular reservado a jovens gentlemen. Naquela época,
contudo, a fronteira ente os que eram e os que não eram vistos como gentlemen
já se havia deslocado ligeiramente no espectro social. Dominar a arte do marinheiro era apenas uma
de suas funções. Uma das funções mais importantes era lutar contra um inimigo,
comandar a tripulação na batalha e, se necessário, abordar um navio hostil em
uma luta corpo a corpo até a vitória. Em suma, um oficial da velha marinha
tinha que reunir algumas das qualidades de um artesão experiente e de um gentlemen
específico militar. Durante os séculos XVII e XVIII tinha um significado social
estrito: mudava com um certo lapso de tempo, de acordo com a composição da
Câmara dos Comuns. O que quer que significasse em uma certa época, aqueles que
trabalhavam com suas próprias mãos fosse mestre-artesãos ou operários eram
sempre excluídos aos operários da posição de gentlemen. Inclusive a mera
suspeita de que tivesse feito trabalho manual em alguma etapa de sua vida era
degradante para o gentlemen. Para o bom funcionamento de uma frota
militar a vela, era necessário que seus oficiais tivessem algumas das
qualidades combinadas tanto dos gentlemen militares quanto dos
marinheiros. A questão é: como se poderia esperar conciliar, funções
profissionais e sociais que, em terra, pareciam incompatíveis? Para entender os
padrões daquele tempo histórico e visualizar os problemas inerentes à profissão
naval, tal como se apresentavam às pessoas daquela embarcação, e não como
parecem ser para nós, segundo nossas próprias referências sociais e nossos
ideais.
Ao mesmo tempo, esses dois
movimentos gradualmente fizeram surgir uma nova profissão, a de oficial naval.
A rivalidade crescente de poder trouxe o que se poderia chamar tradicionalmente
de “divisão do trabalho”. Na realidade, a diferenciação andou de braços dados
com a integração, a especialização com a fusão, transformando não apenas o
trabalho, mas todas as funções sociais das pessoas. Não se tratava apenas de os
marinheiros se especializarem para o serviço em um establishment militar e de
os gentlemen militares se dedicarem mais permanentemente à frota. O novo
processo de guerra marítima criou a necessidade de haver pessoas que, em uma
nova esquadra, fossem marinheiros e militares ao mesmo tempo. Dois conjuntos de
pessoas, marujos e gentlemen militares, que pertenciam a esferas bem
diferentes da vida e que no passado haviam tido pouco contato profissional,
foram obrigados, como resultado desses acontecimentos, a colaborar mais
estreitamente e por períodos mais longos que antes. Um padrão definido de
trabalho em grupo, envolvendo os dois conjuntos, não podia existir nesse
estágio, a menos que uma autoridade externa fosse suficientemente forte para
impô-lo, como na França e na Espanha. Na Inglaterra, em uma situação como
aquela, lutas por status e disputas por posições nos cargos eram
inevitáveis. Unidos por circunstâncias sociais além de seu poder, ambos os
grupos tentaram preservar, em sua nova relação política e social, seu modo de
vida tradicional e os padrões profissionais aos quais estavam acostumados.
Na França e Espanha, a crescente
interdependência desses grupos produziu problemas similares. Mas a solução
foi-lhes, em algum momento, imposta. Dificilmente se permitia que se
desenvolvessem conflitos abertos entre marujos e gentlemen. Eram
suprimidos por regras estritas e inalteráveis. Os dois grupos nunca se tornaram
totalmente integrados. Tampouco as funções militares e as funções náuticas se
amalgamaram. Homens de distinção, nobres, continuaram sendo essencialmente gentlemen
militares e nada mais. Era impossível que eles passassem por um treinamento de
semelhante ao de um artesão; ou que os artesãos se tornassem seus pares.
Continuaram até a Revolução Francesa e mesmo depois, a se ver e a se comportar
mais ou menos como destacamentos especializados do exército terrestre. Marujos
profissionais continuaram a fornecer transporte a soldados. A distância social
entre os dois grupos era tão grande que nem a hostilidade nem a fusão tinham
lugar. A colaboração entre esses dois segmentos era maior que na França e na
Espanha. Tensões manifestas e hostilidades abertas eram mais frequentes, e
persistiam da época de Elizabeth à de Guilherme de Orange. Como resultado,
surgiu gradualmente uma nova divisão, e uma nova hierarquia de deveres
estendeu-se sobre ambos os grupos sociais, cujas tarefas eram tanto militares
quanto náuticas. Embora suas carreiras variassem bastante, os
comandantes-marujos tinham em comum serem artesãos ou “artistas”. Todos
começavam cedo como grumetes; passavam seu período de aprendizado a bordo
durante o decorrer de sete anos. Fazia pouca diferença se serviam em
embarcações mercantis ou de guerra; não importava se mudassem de um para
outro posto mais tarde.
Bibliografia
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