quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Carequinha - Arte Cênica & Alegria do Maior Palhaço do Brasil.

                          Fui o primeiro na TV. Inventei uma nova escola de palhaços”. George Savalla Gomes

         

          George Savalla Gomes nasceu em Rio Bonito (RJ), em 18 de julho de 1915 e faleceu em São Gonçalo (RJ), 5 de abril de 2006, mas tornou-se reconhecido pelo nome artístico de palhaço Carequinha, consagrando-se um dos mais notórios palhaços brasileiros. Carequinha nasceu em uma família circense, na cidade de Rio Bonito, interior do estado do Rio de Janeiro. Seus pais eram os trapezistas Elisa Savalla e Lázaro Gomes. George literalmente nasceu no Circo, pois sua mãe grávida estava fazendo performance de trapézio quando entrou em trabalho de parto em pleno picadeiro. Deu início à sua carreira como palhaço Carequinha aos cinco anos de idade, no circo de sua família, quando este estava em apresentação em Carangola, cidade do interior do estado de Minas Gerais. Aos 12 anos era palhaço oficial do Circo Ocidental, pertencente ao seu padrasto. Em 1938, estreou como cantor na Rádio Mayrink Veiga, no Programa Picolino da rádio carioca, fundada em 21 de janeiro de 1926. Em busca de outros públicos, para o processo de trabalho e comunicação social, Carequinha levou seu show para fora dos picadeiros, apresentando-se em aniversários e clubes, além de representar o Brasil quatro vezes no exterior. Ele venceu um concurso de palhaço na Itália mais moderno do mundo, representando o Brasil no 1º Festival Internacional de Clowns. E foi o primeiro palhaço com a inauguração da televisão brasileira, começando na TV Tupi em 1951, ano seguinte à inauguração da emissora, a primeira do país. Lá, realizou o Circo Bombril, permanecendo com apresentações durante 16 anos.

         Historicamente nos anos posteriores à chamada Revolução de 1930, alternaram-se as funções e a própria estrutura do Estado brasileiro. As formas de desenvolvimentos do poder público revelaram a acentuação dos seus conteúdos burgueses, em confronto com os elementos sociais, culturais e políticos de tipo oligárquico vigentes nas décadas anteriores a 1930. Esta mudança política cria condições para o desenvolvimento do Estado burguês, como um sistema que engloba instituições políticas e econômicas, bem como padrões e valores sociais e culturais de tipo propriamente burguês. Enquanto manifestação e agente social e político das estruturas internas e externas, a Revolução implicou na derrota do Estado oligárquico. Isto significa que o poder público passou a funcionar mais adequadamente, segundo as exigências e as possibilidades estruturais estabelecidas pelo sistema brasileiro do capitalismo. A evolução da legislação trabalhista e os governantes passaram a reformular as condições sociais de funcionamento do mercado de fatores de produção ou de forças produtivas, no sentido marxista, bem como as relações internas de produção, e as relações entre a economia interna e o mercado internacional. A partir da radicalização política da década de 1930, com a chamada invenção do trabalhismo, foram estabelecidos, de modo formal, sob a responsabilidade do Estado, as condições e os limites básicos de funcionamento do mercado de trabalho.

Em poucas palavras, o conjunto das atividades estatais, no período 1930-45, segundo Ianni (1979) assinalam a agoniado Estado de tipo oligárquico e o desenvolvimento do Estado propriamente burguês, com a adoção de uma série de medidas econômicas e inovações institucionais que assinalaram uma nova fase nas relações entre o Estado e o sistema político-econômico, conforme eles apareciam no seu horizonte político, por injunção de interesses e pressões econômicos, políticos, sociais e militares. Antes de 1930 o sistema político e econômico já se defrontava com problemas estruturais e conjunturais típicos de uma economia dependente, isto é, economia primária exportadora. Note-se que na década de 1920-1930 o café perfaz mais de 80% do valor global das exportações brasileiras. O que nos dá uma ideia econômica da importância relativa da cafeicultura na criação de capacidade para importar. Além disso, a política econômica externa, de tipo liberal, significava a maciça e sistemática exportação do excedente econômico nacional. Tanto através da comercialização do café, controlada pelos centros dominantes dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha e outros, como por meio da importação de manufaturados e artigos de consumo da classe dominante, boa parte do produto nacional encaminhava-se para o comércio exterior. Isto é, o governo atuava no sentido de proteger e incentivar as atividades produtivas ligadas ao setor externo, que era essencial à sustentação do sistema político-econômico vigente.

Ipso facto, a chamada Revolução de 1930 representa uma ruptura política, e também, econômica, social e cultural com o Estado oligárquico vigente nas décadas anteriores. Há, portanto, em Getúlio Vargas, a condenação explícita do liberalismo econômico. E, ainda, o reconhecimento de que a situação vigente nos começos da década de trinta exigia a reorganização pela força bruta da política dos mercados de capital e força de trabalho, de modo a contornarem-se as inconveniências da política econômica liberal. Este é o contexto político em que o grupo reunido em torno de Getúlio Vargas (1882-1954) deu o golpe de Estado de 10 de novembro de 1937 e instalou a ditadura até 1945, sob a denominação de Estado Novo. Em consequência, liquidaram-se as poucas e frágeis instituições democráticas, a despeito de exclusivamente urbanas. Ao mesmo tempo, acelerou-se o processo de destruição dos remanescentes do Estado oligárquico. Os setores burgueses mais fortes, apoiados na força militar e em aliança com os setores da classe média, passaram a controlar o poder político e a opinar sobre as decisões de política econômica. Pouco a pouco, as classes sociais de mentalidade e interesses caracteristicamente urbanos impuseram-se por sobre a mentalidade e os interesses enraizados na economia primária exportadora. Para os partidos políticos e movimentos sociais que haviam lutado por instituições democráticas, a vitória sobre as oligarquias havia malogrado. Passava-se do regime oligárquico à ditadura burguesa, depois de um entreato de grande fermentação política e cultural. 

Em conseqüência da incipiente industrialização havida nas décadas anteriores, do crescimento do setor terciário e da própria urbanização, surgiram novos grupos sociais, particularmente os primeiros núcleos proletários e os princípios com os quais a burguesia industrial buscava inferir sua hegemonia sócio-política e, per se, além de expandir-se a classe média em torno dos truques da burocracia estatal e o patrimonialismo dos coronéis donos do poder. Foi nesse ambiente urbano mais complexo e parcialmente independente da cultura agrária que surgiram, na década dos anos 1920, vários movimentos políticos e artísticos novos: fundou-se o Partido Comunista do Brasil, em 1922; surgiram as primeiras manifestações do tenentismo, o qual exprimia os interesses, os ideais e as ambições políticas de alguns setores do Exército; fundou-se um partido político de inspiração fascista, com a Legião do Cruzeiro do Sul, em 1922; e realizou-se a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, também em 1922, quando se manifestaram alguns jovens artistas de avant-garde, responsáveis por introduzir no cenário cultural, artístico etc., técnicas, ideias e conceitos novos, avançados. Essas são algumas das principais expressões artísticas e culturais de uma sociedade urbana em franca transformação. Nesse contexto histórico, em que se revelam as pré-condições das rupturas políticas e econômicas que assinalam a Revolução de 1930, a Depressão Econômica Mundial de 1929-1933, desempenha um papel decisivo. É o Estado oligárquico per se em que se rompem internamente, pela impossibilidade de acomodarem-se as tensões sociais e conciliarem-se os tipos sociais contrários liberados pela dimensão da crise política e econômica nacional e internacional.  

Em 29 de outubro de 1945 o ditador Getúlio Vargas foi deposto, em um Golpe de Estado organizado por forças políticas civis e militares. Em seguida, iniciou-se um programa de desmantelamento de quase tudo que estivesse identificado com a ditadura do Estado Novo e a figura de Getúlio Vargas. A própria estrutura do Estado passou a ser reformulada, devido à decisão dos novos governantes de “redemocratizar” o país. A vitória das “nações aliadas” sobre o nazifascismo alimentou ideologicamente a conversão do poder político ditatorial para uma “democracia representativa”. No cenário político brasileiro surgiram partidos e lideranças liberais, conservadores, socialistas, comunistas e outros. Em síntese, a Constituição ditatorial de 1937 foi substituída pela Constituição democrática de 1946, elaborada por uma Assembleia Constituinte. Os partidos políticos estavam representados da seguinte forma: Partido Social Democrático (PSD), com 173 representantes; União Democrática Nacional (UDN), com 85 representantes; Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com 23 representantes; Partido Comunista do Brasil (PCB), com 15 representantes; Partido Republicano (PR), com 1 representantes; Partido Social Progressista (PSP), com 7 representantes; Partido Democrata Cristão (PDC), com 2 representantes; Esquerda Democrática (ED), com 2 representantes e Partido Libertador (PL), com 1 representante.  Em síntese, nessa ocasião haviam-se conjugado condições favoráveis: a) à realização de mais uma fase no processo de ruptura com os laços tradicionais de dominação externa; b) à realização de mais uma etapa no desenvolvimento econômico do Brasil. Em nome de princípios liberais, criaram-se novas condições favoráveis á entrada e saída de capital estrangeiro. Ao mesmo tempo eliminaram-se os órgãos estatais  vinculados ao intervencionismo. Sob o pretexto de que findara a guerra e em nome de uma espécie de “neoliberalismo”. Em pouco tempo desmontou-se a nascente tecnoestrutura que se criara nos anos anteriores. Em nome da “democracia representativa” abandonaram-se as diretrizes e as práticas ligadas à política econômica de orientação nacionalista.

A Constituição de 1946 e as normas políticas e econômicas adotadas pelos governantes instauraram a hegemonia dos princípios da “livre iniciativa” e da “igualdade  de oportunidades para nacionais e estrangeiros”. Tanto assim que a Comissão Mista Brasileiro-Americana, criada em 1948, tomou o cuidado de ressaltar o liberalismo da Constituição, em contraposição ao “princípio nacionalista”, que havia vigorado nos anos 1930-45. Em pouco tempo, aos partidos e lideranças populistas e de esquerda passaram a combater os rumos que se davam aos assuntos de política econômica. Alguns, prontamente compreenderam que junto com o “liberalismo econômico” havia uma política de associação entre grupos econômicos brasileiros e estrangeiros. Compreenderam que se abandonava a política destinada a fortalecer o capitalismo de tipo nacional, em favor da política de associação e interdependência. Assim, com o governo Dutra abandonava-se a convicção de que era possível realizar um capitalismo relativamente autônomo no Brasil. A maneira pela qual o poder político foi levado a reorientar e reduzir as suas relações com a economia do país, segundo Ianni (1979), implicava na modificação do sentido e conteúdo da política econômica estatal. Em pouco tempo os governantes adotaram objetivos e diretrizes que conferiram outra significação à atividade do poder público. Ao recusar o nacionalismo econômico, como princípio básico de política econômica, recusava-se também a possibilidade de um capitalismo de tipo nacional. Ao recusarem-se as diretrizes e técnicas específicas da política econômica nacionalista, adotavam-se diretrizes e técnicas que iriam reforçar a interdependência e redefinir as condições de dependência internacional.

Em nome do liberalismo econômico e da democracia representativa, o poder público foi colocado numa posição menos ativa que aquela na qual encontrava-se nos anos de guerra.  O Conselho Nacional de Economia, criado pela Constituição de 1946 (Art. 205), somente foi regulamentado por lei, para efeito de funcionamento efetivo, em 1949. Esse atraso pode ser tomado como sintoma do desinteresse dos governantes por um órgão que teria sido útil para a realização de estudos e a formulação de diretrizes sobre os problemas de política econômica governamental. Devido a esses compromissos conservadores e ideológicos, mas também práticos, e em nome da reação antiditatorial e antiintervencionista, a política econômica governamental dos anos 1945-50 serviu principalmente aos interesses mais imediatos da empresa privada, nacional e estrangeira. Portanto, a ruptura política ocorrida nos anos 1945-46 permitiu que fosse adotada uma política econômica inspirada nas teses do grupo liderado ou representado pelo economista Eugênio Gudin (1886-1986). Em consequência, o pensamento representado pelo industrial e economista Roberto C. Simonsen (1889-1948) foi colocado em segundo plano. Assim, a controvérsia sobre as relações entre Estado, Economia e Planejamento – iniciada nos anos da guerra mundial – teve tanto desdobramentos teóricos como práticos. Não por acaso, o compromisso fundamental com a “livre iniciativa”, e contra a modalidade anterior de intervencionismo estatal na economia, aparece em quase todas as principais atuações e diretrizes do governo Gaspar Dutra. Dizemos intencionalmente “modalidade anterior de intervencionismo estatal” porque nos anos 1946-50 o poder público, leia-se o Estado nacional, continuou a desempenhar  papéis decisivos na economia do país. Ocorre que a direção dessa atividade se havia alterado, alterando-se, em consequência, os instrumentos e os conteúdos ideológicos. A omissão do poder, quando houve, ela pode ter sido uma omissão deliberada, com sentido.

Ao iniciar-se o segundo período governamental de Getúlio Vargas (1951-54), o poder público e maioria do Congresso Nacional ainda estava comprometidos ideológica e praticamente, com uma política econômica antiintervencionista e internacionalizante. Não era uma política de desenvolvimento econômico, diz Ianni (1979), a que fora praticada na época do governo Dutra; era uma política destinada principalmente a garantir as condições de funcionamento e prosperidade do setor privado, nacional e estrangeiro. Os recuos e reorientações a que tinham sido obrigados o governo e o congresso Nacional não haviam alterado a linha de estilo “neoliberal” dominante. Em 1950-51, a Guerra da Coréia provocou alterações importantes na composição e volume das importações brasileiras, devido às preocupações similares aquelas provocadas pela 2ª guerra mundial. Esse foi o contexto mais geral, no qual o governo Vargas se defrontava com alguns dilemas econômico-financeiros importantes. Ele precisava enfrentar, de alguma forma, problemas da governabilidade tais como; a inflação, o desequilíbrio na balança de pagamentos, a necessidade de importar máquinas e equipamentos, a insuficiência de energia elétrica e transportes, a insuficiência de oferta de gêneros alimentícios para as populações dos centros urbanos em rápida expansão etc.   Claro está que nesses anos já se haviam evidenciado os principais pontos de estrangulamento na economia brasileira, tendo-se em conta as possibilidades reais e as tendências possíveis de desenvolvimento. Contudo, ao difundir-se e aprofundar-se o debate técnico e político sobre as condições e as tendências possíveis do desenvolvimento econômico do Brasil, começavam a configurar-se as diferentes estratégias políticas propostas pelas várias correntes de opinião pública. De qualquer forma, a diferenciação do sistema político e econômico tornara mais complexos e agudos os antagonismos. Em consequência, nestes anos criaram-se novas condições para a aceleração do desenvolvimento industrial.

            Atração circense, que estreou com nome de Circo na TV, tinha como mestre de cerimônia Walter Stuart (1922-1999), que também se encarregava da produção do programa. Luís Galon ficou encarregado da direção de TV. Stuart herdou o lado artístico da família, uma vez que seu pai e sua mãe, o francês Albert Canales e a espanhola Conceição Tereza eram atores de uma companhia circense chamada Oni, fundada em 1920. Nascido em Birigui, onde a companhia dos pais estava instalada, viveu sua infância e juventude num ambiente de circo, tendo viajado por todo o Brasil, sem deixar de frequentar colégios. Ainda criança, mudou-se para Buenos Aires onde viveu por sete anos e aprendeu a falar francês e espanhol com os irmãos Henrique e Conchita. Aos seis anos, começou a trabalhar como acrobata, sem perder de vista outras funções na trupe como bilheteiro, palhaço, faxineiro e ajudante de mágico. Em 1941, casou-se com Mouralina Stuart, com quem tivera três filhos, dentre eles Adriano Stuart, nascido em Quatá, que seguiria os passos profissionais do pai. Em 1950, Albert e Conceição vendem o circo, firmando residência fixa em São Paulo e toda a família é contratada pela recém-inaugurada TV Tupi São Paulo passados os testes. Inicialmente, Walter é contratado como diretor de estúdio com seu irmão Henrique, entretanto, com a ajuda do diretor artístico, o jovem Cassiano Gabus Mendes, ganha o aval para criar e apresentar um programa semanal chamado Circo Bom Bril, que contava com a apresentação de vários artistas circenses num estúdio especial montado pela emissora. Se consagra entre os primeiros e grandes comediantes da televisão, ao trazer o circo para o vídeo, inaugurando humor no veículo de comunicação.

Durante as décadas de 1950 e 1960, roteiriza, dirige e atua em seriados de sucesso na emissora como As Aventuras de Berloque Holmes (1953), 48 Horas com Bibinha (1953), Seu Tintoreto (1956), Seu Genaro (1957) e Doce Lar Teperman (1959); o inesquecível programa chamado A Bola do Dia (1955), um diário bem-humorado que durou exatos dez anos no ar; e os diversos teleteatros da TV de Vanguarda, TV de Comédia e do Grande Teatro Tupi. Rapidamente, conquista as telonas, estreando em 1953 com filmes: O Mártir do Calvário e acumulando grandes sucessos como Uma Certa Lucrécia (1957), Crime no Sacopã (1963), A Super Fêmea (1973) e A Noite dos Duros (1978), entre outros, sendo que este último roteirizado e dirigido por seu próprio filho. Sua primeira novela fora A Ponte de Waterloo (1967), de autoria do amigo Geraldo Vietri (1927-1996). Lá, fez novelas de sucesso, representadas pelas revolucionárias Beto Rockfeller (1968) e Signo da Esperança (1972). Em 1969, saiu da Tupi temporariamente para fazer Seu Único Pecado na Rede Record e voltaria a fazer isso em 1972 quando convidado por Bráulio Pedroso para atuar em O Bofe, na Rede Globo. A TV Tupi São Paulo, assim como boa parte da Rede Associada de rádio, jornal e televisão, chegou ao fim em 1980. Entristecido pela queda da emissora que o notabilizou, Walter Stuart fez O Espantalho (1977) na Record; Plumas & Paetês (1980) e Humor Livre (1984) na Globo; Braço de Ferro (1983) na Band; Acorrentada (1983) e A Praça É Nossa (1987), seu último trabalho no Sistema Brasileiro de Televisão (SBT).

Neste ínterim, as pantomimas ficavam por conta da dupla Fuzarca, Torresmo e Positivo. Na TV Tupi do Rio de Janeiro, David Cohen chamou George Savalla Gomes, o palhaço Carequinha que ficava com a atração principal do infantil. Passou a se chamar Circo Bombril com a entrada do patrocínio comercial. Assim, São Paulo e Rio de Janeiro tinham suas versões independentes do programa infantil. Os bordões do palhaço Carequinha tornaram-se reconhecidos do público infantil: “Aiaiai, carrapato não tem pai”, “Tá certo ou não tá, garotada?”. Carequinha usava sua empatia junto ao público infantil para passar boas mensagens de higiene, comportamento, segurança, entre outras. Logo ingressou na trupe o comediante Zumbi, com quem protagonizava o mais puro pastelão, e o trapalhão anãozinho Meio Quilo. Oscar Polidoro atuava como mestre de cerimônias do Circo, que se apresentava apitando e batendo seu chicote. Em setembro de 1956 foi a vez da TV Itacolomi das Minas Gerais ganhar o seu Circo Bombril. Carequinha e sua turma viajavam para Belo Horizonte para apresentar o programa que na emissora tinha a direção de Floriano Andrade. Carequinha ficou apenas um ano em Minas Gerais, sendo exibido aos sábados às 19h30, mas o infantil permaneceu sob o comando do Palhaço Moleza, interpretado por Antônio Cerezo. Carequinha também apresentou versões do Circo Bombril em outros estados. Na TV Paraná, ficou durante o conturbado ano de governo militar cearense, em 1965, com a produção de Ulisses Triana, sob o título de Cirquinho do Canal 6 e depois Circo do Carequinha; na TV Piratini de Porto Alegre ficou dois anos; e na TV Rádio Clube do Recife, exibiu o programa durante um ano. Terminando o contrato com a empresa Bombril, o Circo teve outro patrocinador passando a se chamar Circo Ping-Pong.

A história da Bombril começou a ser escrita no verão de 1948, a partir de um sentimento vivo na alma de nosso fundador: a paixão pelo novo. As panelas de ferro estavam cedendo seu lugar às panelas de alumínio, mais modernas, leves e rápidas de aquecer, porém, as donas de casa se queixavam de limpá-las com esponjas comuns. Elas desejavam usar algo que pudesse ser fácil de arear e de dar brilho, deixando-as sempre novas e bonitas. O lançamento desse produto representou uma revolução para as donas de casa em geral. Bombril polia panelas e também limpava vidros, louças, azulejos e ferragens, tanto que ganhou o conceito de “1001 utilidades” na cultura brasileira. Naquele ano, foram vendidas 48 mil unidades de Bombril. Em 1976, a Bombril muda sua linha de produção do bairro do Brooklin, em São Paulo, para a moderna fábrica em São Bernardo do Campo, cidade próxima à capital. Essa unidade existe é considerada a” grande casa da Bombril”. Em 1984, é a vez da inauguração da Bombril Nordeste, em Recife (PE), e a razão social muda para Bombril S/A. A empresa passa a ter ações negociadas na Bolsa de Valores. Em 1987, mais uma inauguração, agora da Bombril Minas, em Sete Lagoas (MG). Com o tempo histórico e social, a marca foi crescendo e se desenvolvendo até se tornar o que é.A Companhia com 71 anos de atividade e atuação no segmento da indústria de higiene e limpeza, fabricando produtos de consumo doméstico e industrial. É detentora de marcas consagradas, como Limpol, Mon Bijou, Sapólio Radium, Kalipto, Pinho Bril e Bom Bril.

Carequinha gravou 26 discos com músicas muito populares entre as crianças. Sua primeira gravação ocorreu em 1957, com a marcha de Miguel Gustavo “Fanzoca do rádio”, que fez bastante sucesso. Ele teve êxito com a criançada com a música: “O bom menino” que de forma afirmativa cantarolava: “o bom menino não faz xixi na cama, o bom menino não faz malcriação...”, assim como através das músicas: “A marcha do carrapato”, “Parabéns, parabéns” e canções de roda tradicionais como “Escravos de Jó”, “Ciranda cirandinha”, “Carneirinho carneirão” e “O cravo brigou com a Rosa”. Nos anos 1980, apresentou um programa infantil na TV Manchete, até sair para que entrasse o programa da Xuxa, que começou naquela emissora sua carreira artística. Ele se apresentou para vários presidentes brasileiros, entre os quais Getúlio Vargas e Juscelino Kubistchek, além de ser condecorado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Foi o reduto de talentos e ícone da chamada Era do Rádio, o principal veículo de comunicação social de massa entre 1930 e o início da década de 1960.Teve o radialista César Ladeira (1910-1969) como diretor artístico a partir de 1933. Foi líder de audiência nos anos 1930, até o surgimento da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, onde estrearam Carmen Miranda e sua irmã Aurora. Na conturbada década de 1930, na esfera política, a Mayrink emplacou programas que marcaram a história social do rádio: Canção do dia, com Lamartine Babo; Trem da alegria, com Lamartine Babo, Yara Salles e Heber de Bôscoli; Picolino, com Barbosa Junior; Horas do outro mundo, com Renato Murce, e o Programa Casé, com Ademar Casé, e outros.

Iniciou sua carreira em 1931, como locutor da Rádio Record de São Paulo, para onde fora convidado, quando era estudante de Direito, a fazer um teste e, em vez de ler anúncios, proferiu um discurso contra o ditador Getúlio Vargas - o que agradou, junto a sua voz, a direção da emissora. No entanto, ficou reconhecido como “A voz da Revolução Constitucionalista”, que ocorreu em 1932, e veio a se tornar um dos ícones da Era de Ouro do rádio no Brasil e dos mais famosos locutores do país. Ladeira foi o criador de nomes artísticos com os quais alguns cantores passaram a ser identificados para o público consumidor: “Rei da Voz” para Francisco Alves, “A Pequena Notável” para Carmen Miranda, “O Cantor que Dispensa Adjetivos” para Carlos Galhardo, “O Caboclinho Querido” para Sílvio Caldas e “A Garota Grau Dez” para Emilinha Borba. Em 1933, foi contratado pela Mayrink Veiga, como locutor e diretor artístico. Mudando-se para o Rio de Janeiro iniciou um estilo comercial, copiado dos locutores argentinos que para diferenciar na pronúncia os “erres” dos “agás” aspirados, carregavam nos primeiros. Atuou no cinema estreando, em 1935, no cinema no filme “Alô, Alô, Brasil”. O célebre humorístico PRK-30 (cf. Perdigão, 2003), criado e apresentado por Lauro Borges e Castro Barbosa, estreou na Mayrink Veiga em 1944, onde ficou por dois anos e retornou à emissora em 1955. Foi protagonista do filme Sob a Luz do Meu Bairro, de 1946, dirigido por Moacyr Fenelon. Quatro anos depois, o programa voltou para a Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Quem fez história na emissora foi Chico Anysio apresentado por Haroldo Barbosa, realizou grandes sucessos de programas cômicos. Em 1948, assinou contrato com a Rádio Nacional, onde apresentou durante dez anos “Seu criado, obrigado”, ao lado de Daisy Lúcidi, entre programas de sucesso. Dois anos antes de sua morte, em 1967, passou a atuar em programas humorísticos na extinta TV Tupi do Rio de Janeiro. Foi casado com a atriz Renata Fronzi. Seus filhos, Cesar Fronzi Ladeira e Renato Fronzi Ladeira, foram os criadores da banda de rock A Bolha e, mais tarde, do grupo Herva Doce. 

          Em 1963, o canal 2 do Rio de Janeiro foi comprado pela TV Excelsior. A Mayrink era a concessionária do canal, mas os planos de montar a TV não saíram do papel. Em 1961, a Rádio Mayrink Veiga, que tinha como diretor do departamento político e jornalístico Hiram Athaydes Aquino, participou da chamada Cadeia da Legalidade, uma mobilização civil e militar em 1961, para garantir a posse de João Goulart como Presidente do Brasil, derrubando o veto dos ministros das Forças Armadas à sucessão legal do presidente Jânio Quadros, que tinha renunciado, ao vice-presidente Goulart. Ela foi liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, aliado ao comandante do III Exército, general José Machado Lopes. A crise da renúncia de Jânio Quadros e o veto à sucessão para Goulart figuram entre as crises da República Populista que precederam o golpe de Estado de 1° de abril de 1964, junto a 1954 (fim de Getúlio Vargas) e 1955 (sucessão para Juscelino Kubitschek, garantida pelo Movimento de 11 de Novembro). A crise política de 1961 é antecedente de 1964 e mesmo chamada de seu ensaio geral. A crise política resultou na negociação do parlamentarismo como novo sistema de governo do país. Na comunicação representou uma rede de rádios organizada por Leonel Brizola para defender a posse de João Goulart, da campanha pelas Reformas de Base, que serviram como justificativas para o presidente-militar Humberto de Alencar Castelo Branco fechá-la em julho de 1965 por meio do Mandado de Segurança n° 16.135. Cesar Ladeira morreu de hemorragia cerebral, aos 58 anos, no Rio de Janeiro. Foi sepultado no Cemitério de São João Batista. Carequinha estava radicado em São Gonçalo há mais de 60 anos. Ele foi pai de quatro filhos, quatro netos e quatro bisnetos. A tradição de família finda com ele. Infelizmente, ninguém quis mais seguir a bela carreira de palhaço.                

Bibliografia geral consultada.

IANNI, Octavio, Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-1970). 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1979; PERDIGÃO, Paulo, No Ar: PRK-30: O mais Famoso Programa de Humor da Era do Rádio. Rio de Janeiro: Editor Casa da Palavra, 2003; DUPRAT, Rodrigo Mallet, Atividades Circenses: Possibilidades e Perspectivas para a Educação Física Escolar. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. Faculdade de Educação Física. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2007; SACHETT, Patrícia de Oliveira Freitas, As Discussão ´Clown ou Palhaço` às Permeabilidades de Clownear-Palhaçar. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Instituto de Artes. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009; SILVA, Thalita Costa da, Memórias de um Palhaço: O Rito de Passagem de Roger Avanzi para o Palhaço Picollino II. Dissertação de Palhaço. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2011; FLÓREZ, Laili Von Czékius, Pedagogia da Bobagem: Uma Oficina de Palhaço para Adultos com Deficiência Intelectual. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012; RABELO, Andréa da Silva, Cada Nariz em Seu Lugar: O Palhaço, Seus Afetos e Estados em Diferentes Espaços. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Escola de Teatro. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2014; ROMEIRO, Alexandre, A Formação do Palhaço: Interfaces com Categorias Freirianas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Gestão e Práticas Educacionais.  São Paulo: Universidade Nove de Julho, 2015; PERIN, Diogo Zomer, Se “Tá Certo ou Não Tá?!” O Importante é que Vai Tudo “Muito bem!”. As Canções de Palhaços Cantores: do Circo-Teatro às Novas Mídias – 1951 a 2001. Dissertação de Mestrado.  Programa de Pós-Graduação em História. Centro de Ciências Humanas e da Educação. Florianópolis: Universidade do Estado de Santa Catarina, 2016; SANTOS, Eduardo Dias dos, Por Trás do Nariz Vermelho: Breve História de um Palhaço Brasileiro. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Instituto de Filosofia, Artes e Cultura. Ouro Preto: Universidade Federal de Ouro Preto, 2017; BALATON, Thaís Caroline Póvoa, Escola de Palhaços. Estudo sobre a Prática Pedagógica do Programa de Formação de Palhaços para Jovens Doutores da Alegria. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018; SILVA, Renan Carlos Medeiros da, Roteiro Performativo: Circuito de Intervenções Pedagógicas na Prática do Professor-performer. Dissertação de Mestrado em Artes Cênicas. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2021; entre outros.

sábado, 2 de outubro de 2021

Moreira da Silva - Polacas, Samba-de-Breque & Aviar na Comunidade.

 

Jogo Proibido é considerado o primeiro samba de breque”. João Vicente Machado

     

Antônio Moreira da Silva nasceu no Rio de Janeiro, em 1º de abril de 1902, vindo a falecer nesta cidade em 6 de junho de 2000. Foi um cantor e compositor carioca, também reconhecido como Kid Morengueira. É considerado o criador do samba-de-breque, embora o breque já existisse em composições “mais antigas como Cansei, de Sinhô” (cf. Dias, 2000). Nunca é demais repetir que Sinhô, foi o primeiro músico popular a se distinguir na sociedade global como autor-compositor de sambas, quando realiza a conjunção ambivalente do coletivo com o individual que caracterizaria mais tarde o “samba do malandro”, do qual aliás pode ser considerado precursor. Se o desejo de ascender socialmente ou de ganhar dinheiro, com o trabalho de autoria, orientava-lhe a conduta no momento de registrar e promover seus sambas, tal realização não chegava a determinar seu modo de produção. A prática burocrática do individualismo autoral não correspondia a uma ética individualista da criação, e tal contradição era abertamente assumida pelo sambista que proclama a seguinte tese: “Samba é como passarinho. É de quem pegar” (cf. Matos, 1982: 20). Essa forma de ver a produção do samba como algo pertinente a uma realidade “comunitária”, e não apenas a necessidade de obter valor social através do trabalho, “pode explicar a facilidade e largueza com que se vendiam e até presenteavam autorias nas primeiras décadas da “indústria cultural”. Ele narra que Wilson Batista (1980), compositor prolífero, era capaz de tirar um samba em mesa de botequim e em seguida dá-lo de presente a alguém que por ele se entusiasmasse. 

Os “polacos” representam o eslavo ocidental da Europa Central, dentre o conjunto dos países com a maior parte do seu território ligado às cordilheiras dos Alpes, incluindo as suas extensões para a região dos Bálcãs e os Cárpatos. Estes países com seus antepassados estiveram historicamente na situação de serem alternadamente invadidos e, por vezes, administrados por países da Europa ocidental, notadamente o Sacro Império Romano-Germânico, pela Rússia, pela Polônia-Lituânia, e Império Bizantino, mas que que vive predominantemente na Polônia. A religião dominante nesta comunidade é o catolicismo. Os polacos espalharam-se por diversos países, em especial Estados Unidos da América, Reino Unido, Irlanda, Brasil, Bielorrússia, Ucrânia, Lituânia, Alemanha, Rússia, Argentina. No Brasil, a palavra “polaco” pode ter uma conotação negativa, chegando a ser banida pelo Consulado Geral da Polônia em Curitiba, em 1927. De acordo com o escritor Ulisses Iarochinski, o uso depreciativo do termo apareceu tendo em vista uma rede de prostituição, montada no final do século XIX, que trazia mulheres da Europa para o Rio de Janeiro. Apesar do fato da maioria delas nem sequer fosse polonesa, mas eram chamadas polacas, de modo que a palavra ficou associada a “prostitutas de pele branca”. Iarochinski defende que os brasileiros de origem polonesa se reapropriaram da palavra.                       

Moreira da Silva nasceu na Rua Santo Henrique, atual Carlos Vasconcelos, no bairro da Tijuca.  Filho mais velho de Bernardino da Silva Paranhos, trombonista da Polícia Militar e de Pauladina da Silva Paranhos. Abandonou a escola aos treze anos, quando o pai morreu. Começou trabalhando como vendedor de doce, entregador de marmita e catador de papel, e posteriormente, até sua aposentadoria como servidor público. Na adolescência, atuou numa barraca da Festa da Penha (cf. Quintela, 2005), uma das principais celebrações religiosas do Rio de Janeiro, na Zona Norte da capital fluminense, completa 385 anos de existência, e numa fábrica de meias e noutra de cigarro. Também foi motorista de táxi e de ambulância. Formou família ao se casar em 1928, permanecendo a relação por 50 anos. Quando frequentava a zona do meretrício do Rio de Janeiro, Moreira da Silva conheceu Estera Gladkowicer, uma imigrante judia russa naturalizada brasileira que integrava a Associação Beneficente Funerária e Religiosa Israelita. Depois de algum tempo se prostituindo, Estera virou cafetina e administrou um bordel no Mangue, onde Moreira se encontrava com ela. Os dois se amigaram e ficando juntos por 18 anos. Ao fazer uma corrida para Ismael Silva, este lhe sugeriu que fizesse teste na Odeon, por talento. Moreira da Silva foi à gravadora e passou no teste, gravando um disco com duas composições de Getúlio Marinho: “Ererê” e “Rei da Umbanda”. Foi no terceiro que alcançou o sucesso, com o lado B do disco: “Arrasta a Sandália”, de Antônio Gomes e Baiaco. 


 Na Indústria cultural da música, e particularmente no que se refere ao disco vinil, o lado A e lado B são expressões que estão associadas diretamente aos discos de vinil. Historicamente, o B-side dos discos era composto por canções diferenciadas, experimentais, alternativas. As bandas aproveitavam o fato de que as pessoas precisavam parar e mudar o disco de lado para potencializar a quebra de fluxo e entregar leituras diferenciadas de seu próprio trabalho. Muito artistas, grandes compositores e cantores por exemplo, já declararam que em seus discos de vinil que o B-side era o seu lado autêntico, a sua essência e que o A-side de seus discos continha as canções mais comerciais (ex.: Ray Charles). B-side remete ao não comercial, ao alternativo, à diversidade, à espontaneidade, ao lado oposto.  Enquanto o tempo passou, entretanto, a convenção para escolha de músicas para os lados do disco mudou. Bem no começo da década, a música no lado A se tornou a música que a gravadora queria que as estações de rádio tocassem, enquanto 45 gravadoras ou 45s dominaram o mercado radiofônico em termos de vendas. Não antes de 1968, por exemplo, o total de produção de álbuns em base de unidade finalmente superou os singles no Reino Unido. No começo da década de 1990, sucessos de dois lados se tornaram raros. As vendas aumentaram, e o Lado B se tornou o lado do disco aonde versões instrumentais ou inferiores, que não serviriam para o rádio foram colocadas.                    

         Como também participou da fase de ouro da produção das marchinhas do Carnaval carioca e da consolidação do samba como canção de rádio no Brasil. Mais velho oito anos que Noel Rosa e Custódio Mesquita e dois anos que Lamartine Babo, Moreira da Silva sobreviveu a todos os movimentos culturais de transformação da canção brasileira. Criando sucessos paralelos à era do samba-canção, à bossa nova, ao rock de Celly Campello, ao iê-iê-iê de Roberto Carlos e Erasmo Carlos e a grande variedade musical do início da década de 1960. Devido a sua invenção musical e originalidade do breque, mormente como na batida que estremece a harmonia da Escola de Samba, obviamente nunca aceitou o modo de cantar de João Gilberto nem mesmo a exatidão harmônica e rítmica da bossa nova em sua aurora nietzschiana, cuja regularidade costumava chamar de “som de goteira”. Segundo Luiz Tatti, no artigo: “Kid Morengueira Gostava de Atirar na Bossa Nova” (2000), interessante notar, comparativamente, que o canto intimista do intérprete baiano, tão criticado, tem como referência os mesmos princípios que deram origem ao samba-de-breque: as inflexões da fala cotidiana. Naturalmente, o desafio de João Gilberto sempre foi bem mais complexo, se já não é um truísmo, pois sua aproximação do coloquial não se deu apenas no plano da pequena intensidade vocal, mas, sobretudo, no propósito de apreender musicalmente as imprecisões da entonação da fala. Moreira da Silva sempre administrou, alternadamente, canto e fala sem jamais permitir que se misturassem num processo único. Daí a noção sociológica de breque, palavra que é originária “break” (quebra), e familiar por definir os corpos em movimentos  contínuos/descontínuos na dança popular de alguns estilos de origem tonal de música negra dos cânticos de igreja norte-americanos.  

O samba-de-breque foi, na verdade, uma decorrência dos malabarismos de encaixe de voz nos sambas sincopados que se formavam naquelas décadas de 1920 e 1930. Não foi inventado por Moreira da Silva, nem por ninguém em especial, pois é expressão social audaciosa do controle do canto sobre a fala. A fala que se pronuncia é comunicação. Mas a comunicação não partilha a referência primordial com o referencial da fala, mas a convivência se move dentro de uma fala comum e numa ocupação com o falado. O seu empenho é para que se fale. O que se diz, o dito e a dicção empenham-se agora pela autenticidade e a objetividade da fala e de sua comunicação. Por outro lado, dado que a fala perdeu ou jamais alcançou a referência ontológica primária ao referencial da fala, ela nunca se comunica no modo de uma apropriação originária deste sobre o que se fala, apenas contentando-se em repetir e passar adiante a fala. Quando retornamos à sala de aula por imposição, na universidade que arrasta círculos cada vez mais amplos, assumimos um caráter impositivo. As coisas são como são porque é assim que delas impessoalmente se fala. A compreensão mediana do leitor nunca poderá distinguir o originalmente da mera repetição. O que é nevrálgico neste fechamento é pretender ter compreendido o referencial da fala com base nessa pretensão de reprimir, postergar e retardar toda e qualquer questão social e atual discussão. Estados expressivos culturalmente como São Paulo, Ceará e Mato Grosso autorizaram o retorno presencial das faculdades, universidades, e instituições em recesso, aguardam que as autoridades simbólicas, “flexibilizem”, na falta de melhor expressão, a permissão para a retomada do trabalho docente. Esta interpretação própria da falação já se consolidou na presença. 

Essa discussão abstrata, para o interesse atual, vale só o interessante. Se me permitem uma digressão, numa rápida pincelada pela hermenêutica, notamos que o interessante faz com que, no instante seguinte, já estejamos indiferentes e mesmos dispersos em alguma outra coisa que, por sua vez, tampouco nos diz respeito quanto a anterior. Acredita-se frequentemente dignificar algo achando-o interessante. Na verdade, com um tal juízo, subestimamos o interessante levando-o para o domínio do indiferente e assim o empurramos para o âmbito daquilo que logo se tornará tedioso. Do mesmo modo, porém, parece presunçoso afirmar que ainda não pensamos. A afirmação deve, no entanto, ressoar de outro modo. Ela diz: o que mais cabe pensar “mais cuidadosamente neste nosso tempo é que ainda não pensamos”. Na afirmação, fica indicado o que cabe ser mais cuidadoso pensado se mostra. De modo algum a afirmação se atreve a um juízo depreciativo, segundo o qual imperaria, por toda parte, a mais completa falta de pensamento. A afirmação de que ainda não pensamos também não quer estigmatizar nenhuma forma possível de omissão social. Trazer à memória “o pensável” é o que dá a pensar. Ele nos fala de modo que nós nos voltamos para ele – “O pensável” de modo algum é proposto por nós. Isto é, ele jamais se funda no fato de que o representamos. Ele dá o que ele tem em si. Ele tem em si o que ele próprio é. Kid Morengueira - Olha o Breque! homenageia Moreira da Silva.

O que maximamente a partir de si mesmo dá a pensar – o que mais cabe pensar cuidadosamente – deve mostrar-se no fato de ainda não pensarmos. O que quer dizer isso agora? Resposta: ainda não atingimos propriamente o âmbito disso que, a partir de si mesmo e antes de tudo e por tudo, gostaria de ser pensado. Por que ainda não atingimos tal instância? Por que ainda não pensamos. Isto, porém, de modo algum se dá porque o homem não se havia suficientemente para isso que, desde si mesmo, gostaria de ser pensado. Ainda não pensamos – isto se deve muito mais ao fato de que o próprio a-se-pensar se desvia do homem e até mesmo, de há muito, dele mantém-se desviado. Mas reiteramos que se dá desvio somente onde já se deu um aviar-se. Se o que mais cabe pensar cuidadosamente mantém-se num desvio é porque isso se dá precisamente e tão-só no interior de seu “aviar-se”, isto é, de tal modo, que ele já deu a pensar. Em todo desvio, o a-se-pensar já se aviou para a essência do homem. Por isso, o homem de nossa história também sempre já pensou de um modo essencial. Ele pensou mesmo o mais profundo. Na verdade, de uma maneira estranha, o a-se-pensar permanece sob a guarda deste pensamento. O pensamento vigente de modo algum considera o fato de e em que medida o a-se-pensar também se retrai. Mas, de que falamos? O exposto tem um mínimo sequer a ver com ciência? Se, pelo menos por um bom tempo, insistirmos nesta atitude de resistência ao que se disse. Somente assim os resguardaremos na distância para um impulso, a partir do qual conseguiremos saltar, de um modo ou de outro, para dentro do pensamento do que cabe pensar mais cuidadosamente.  

A razão disso, é que “a ciência não pensa”. Ela não pensa porque, segundo o modo de seu procedimento e de seus recursos, ela jamais pode pensar – a saber, pensar segundo o modo dos pensadores que fundamenta a forma de pensar na originalidade da coisa. Que a ciência, porém, não possa pensar, isso não é uma deficiência e sim uma vantagem proporcionada pela abertura. Pois somente essa vantagem assegura à ciência a possibilidade de, segundo o modo da pesquisa – o samba-de-breque ao qual nos referimos, introduzir-se num determinado domínio de objetos e instalar-se. A ciência não pensa. Esta é uma afirmação que escandaliza a representação habitual. Deixemos à frase seu caráter escandaloso, mesmo quando a esta segue-se uma outra, segundo a qual a ciência, tal como todo fazer e desfazer do homem, seria orientada pelo pensamento. A relação entre pensamento e ciência só se mostra autêntica e frutífera quando se trona visível o abismo que há entre as ciências e o pensamento – na verdade, quando este abismo se revela intransponível. Das ciências para a formação do pensamento não há nenhuma ponte, mas somente salto. Este não nos leva somente para um outro lado, mas para uma região inteiramente outra. O que se abre é algo que jamais se deixa demonstrar, caso demonstrar signifique: desde pressuposições adequadas, derivar proposições sobre um estado de coisas através de uma cadeia de conclusões. 

Quem quer ainda demonstrar e ter provado algo que somente se revela à medida que aparece a partir de si mesmo e nisso que, ao mesmo tempo, se recolhe – este, de modo algum, julga segundo um critério mais elevado e mais rigoroso do saber. Este mostrar-se simples é um traço fundamental do pensamento, o caminho para quilo que, desde sempre e para sempre, dá ao homem o que pensar. Toda e qualquer coisa se deixa demonstrar, isto é, derivar a partir de pressuposições adequadas. Poucas coisas, porém, e estas ainda raramente, deixam-se mostrar, isto é, num aceno, liberar para um encontro. É dessa maneira, com o homem diante da morte, que aprendemos e reconhecemos muitas coisas. É dessa maneira ainda a partir das regularidades que as coisas jamais conseguem ultrapassar a compreensão social mediana. A presença nunca consegue subtrair-se a essa interpretação notável da vida cotidiana. Todo compreender, interpretar e comunicar são produtos autênticos, toda redescoberta e nova apropriação cumpre-se nela, a partir dela e contra ela. O predomínio da interpretação pública possibilita de vez a sintonização da falação com humor. Isto é: desejamos a todos uma feliz volta às aulas!  O que se passa com essa tendência de somente perceber? O ser da vida cotidiana é tudo que se mostra numa percepção puramente intuitiva. A curiosidade liberada, porém, ocupa-se em ver, não para compreender o que vê, ou para chegar a ele num ser, mas apenas para poder ver. Ela busca apenas o novo afim de, por ele ser renovada, correr para uma outra novidade. Esse acurar em ver não trata de apreender e nem de ser e estar na verdade através do saber normalizado. A questão da curiosidade caracteriza-se pela impermanência junto ao que está mais próximo, através da admiração.

Por isso não busca o chamado ócio criativo da permanência dialética meramente contemplativa. Mas a excitação e a inquietação mediante o sempre novo. As mudanças do próprio e do impróprio do que vem ao encontro. A curiosidade se ocupa da possibilidade contínua de dispersão real ne existência. Ela está em toda parte e em parte nenhuma. Ela não se empenha em se deixar levar para o que não compreende pela admiração. Isto quer dizer o seguinte. A palavra social, segundo Durkheim (1999) só tem sentido definido com a condição de designar unicamente fenômenos que não se incluem em nenhuma das categorias de fatos já constituídos e denominados. E para o que nos interessa eles são portanto, o domínio próprio da sociologia. Tanto no samba, como numa assembleia, os grandes movimentos de entusiasmo ou de devoção que se produzem não têm por fim lugar de origem nenhuma consciência particular. Eles nos vêm, a cada um de nós, de fora e são capazes de nos arrebatar contra nossa vontade. Certamente pode ocorrer que, entregando-me a eles sem reserva, eu não sinta a pressão que exercem sobre mim. Mas ela se acusa tão logo produto lutar contra eles. Que um indivíduo tente se opor a uma dessas manifestações coletivas: os sentimentos que ele nega se voltarão contra ele. Ora, se essa força de coerção externa se afirma com tal nitidez nos casos de resistência, é porque ela existe; ainda que inconsciente, nos casos contrários. Somos então vítimas de uma ilusão que nos faz crer que elaboramos, nós mesmos, o que se impôs a nós de fora. Se a complacência com que nós entregamos a entregamos a essa força encobre a pressão sofrida, ela não suprime. A partir do momento em que a assembleia se dissolve, em que essas influências cessam de agir sobre nós e nos vemos de novo a sós, os sentimentos vividos nos dão a impressão de algo estranho no qual não mais nos reconhecemos.

O que dizemos dessas explosões passageiras aplica-se identicamente aos movimentos de opinião, mais duráveis, que se produzem a todo instante ao nosso redor, seja em toda a extensão da sociedade, seja em círculos mais restritos, sobre assuntos religiosos, políticos, literários, artísticos, etc. Assim, não é sua generalidade que pode servir para caracterizar os fenômenos sociológicos. Um pensamento abstrato que se encontra em todas as consciências particulares, um movimento que todos os indivíduos repetem nem por isso são fatos sociais. O hábito coletivo não existe apenas em estado de imanência nos atos sucessivos que ele determina, mas se exprime de uma vez por todas, por um privilégio cujo exemplo não encontramos no reino biológico, numa fórmula que se repete de boca em boca, que se transmite pela educação, que se fixa através da escrita. Tais são as origens e a natureza das regras jurídicas, morais, dos aforismos e dos ditos populares, dos artigos de fé em que as seitas religiosas ou políticas condensam suas crenças, dos códigos de gosto que as escolas literárias estabelecem, etc. Nenhuma dessas maneiras de agir ou de pensar se acha por inteiro nas aplicações que os particulares fazem delas, já que elas podem existir sem serem aplicadas. O que esse fato exprime é um certo estado de alma coletiva. Esse fenômeno é um estado do grupo, que se repete nos indivíduos porque se impõe a eles. Ele está em cada parte porque está no todo, o que é diferente de estar no todo por estar nas partes. Isso é sobretudo evidente nas crenças e práticas que nos são transmitidas inteiramente prontas pelas gerações anteriores; recebemo-las e adotamo-las porque, sendo ao mesmo tempo uma obra coletiva e uma obra secular, elas estão investidas de uma particular autoridade que a educação nos ensinou a reconhecer e a respeitar. Um sentimento coletivo que irrompe numa assembleia não exprime simplesmente o que havia de comum em todos os sentimentos individuais. É algo distinto. 

Antônio Moreira da Silva entrou em 1934 para a equipe do Programa Casé, da Rádio Philips. A Sociedade Rádio Philips do Brasil foi fundada em 12 de março de 1930 no Rio de Janeiro, pela Philips que se instalara no Brasil nos anos 1920. Possuía uma boa qualidade de som em comparação às outras emissoras de seu tempo. Não só pela potência do sinal irradiado, mas também pela qualidade dos aparelhos eletrônicos vendidos de marca à elite carioca por um pernambucano que viria a se tornar em um dos mais famosos produtores comerciais de programas de rádio: Ademar Casé, avô da atriz e apresentadora Regina Casé. Os locutores da emissora a propagavam como sendo do “signo das estrelas”, já que sua logomarca era composta do desenho de quatro estrelas. Criativo e empreendedor, Casé era um agenciador de anúncios para revistas quando começou a ser vendedor de populares rádios da Philips. Pragmático, com a lista telefônica em mãos, Casé tinha nome e endereço de potenciais clientes. Sua tática era visitar as casas durante os dias úteis. Ele esperava o dono da casa sair para trabalhar e só então tocava a campainha. O truque como utiliza a intelligentsia norte-americana, ou os acadêmicos oriundos da área complexa do Direito, ou mormente de formação em Sociologia, no caso cearense, consistia em pedir para falar com o proprietário da casa chamando-o pelo nome, como se realmente o conhecesse. Em seguida falava para a esposa que tinha informações que ele estava interessado em adquirir um rádio. E como a esposa nunca estava sabendo do assunto, ele deixava o aparelho ligado e sintonizado na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, outra grande emissora deste período.

Aproveitando os contatos e a sua fama profissional dentro da empresa Philips, Ademar Casé sugeriu a Vitoriano Augusto Borges, diretor da Rádio Philips, o aluguel de um horário explicando que essa nova experiência seria ainda melhor e mais dinâmica do que o “Esplêndido Programa,” de maior sucesso transmitido pela Rádio Mayrink Veiga. O Programa Casé estreou às oito horas da noite de 14 de fevereiro de 1932, e se tornou um grande sucesso. Contudo, a Rádio Philips foi desativada em 1936 pela organização holandesa, forçada por uma legislação governamental, que criava embaraços para uma emissora com suas características, tendo como principal objetivo, divulgar os produtos fabricados e comercializados pela Philips do Brasil, conforme descreve Reinaldo C. Tavares em seu livro Histórias que o Rádio Não Contou (2014). Rafael Casé, outro neto de Ademar, escritor de Programa Casé - O Rádio Começou Aqui, no entanto, descreve outra versão: A Philips era a única emissora carioca a atingir São Paulo e, por não apoiar a Revolução Constitucionalista de 1932, “passou a enfrentar boicote paulista a seus aparelhos”. Como a emissora nascera para ajudar a promover os produtos Philips e não para prejudicá-los, a direção da multinacional decidiu vendê-la. A emissora foi oferecida a Casé, mas este não dispunha dos cinquenta contos de réis necessários para a compra. Foi encampada pelo grupo do jornal A Noite, Noite Ilustrada e Revista Carioca e transformada na famosa Rádio Nacional, sendo seus estúdios instalados na Praça Mauá nº 7, edifício A NoiteNeste ano, pela Columbia, Moreira da Silva lançou sucesso: “Implorar”, escrita por ele em parceria com Kid Pepe e J. Gaspar. 

Em 1937, na esteira do golpe de Estado getulista, a convite do diretor artístico da Rádio Mayrink Veiga César Ladeira, foi para a emissora por um salário de quinhentos mil-réis, juntando-se a Francisco Alves, Carmen e Aurora Miranda, Gastão Formenti, João Petra de Barros, Patrício Teixeira, Mário Reis, Jorge Fernandes, Cyro Monteiro, Eriberto Muraro, José Maria de Abreu, Nonô, entre outras estrelas da rádio. Em 1939, a convite do fadista Manuel Monteiro, foi se apresentar em Portugal, o que lhe rendeu uma participação social importante no filme A Varanda dos Rouxinóis, de José Leitão de Barros, estreou 19 de dezembro de 1939 no cinema Tivoli. Sinopse: O idílio de Madalena e Eduardo, naturais de Alcobaça, do concelho de Alcobaça, no distrito de Leiria, Portugal, é interrompido quando, num dia de festa, ele é convidado para corredor profissional de bicicleta, ou ciclista, ela para ser atriz na capital. Moreira da Silva ficou no país europeu por três meses. Entretanto, pouco antes de prosseguir sua viagem para Portugal, se desligara da rádio Mayrink Veiga. Além disso, por ter ficado três meses fora do país, não gravou profissionalmente nenhum disco e sua execução nas rádios caiu. Entre 1938 e 1939, ele gravou várias músicas pela Odeon e pela Columbia, mas nenhuma delas com sucesso. Ipso facto, a Rádio Nacional não quis renovar seu contrato e ofereceu-lhe “somente um cachê simbólico por apresentações esporádicas”. Em 1940, ele tentou dois discos, de novo sem sucesso. Em 1942, após temporada na Bahia, tentou o sucesso novamente comprando uma composição: “Lembranças da Bahia”, para a qual constou como coautoria de Geraldo Pereira, mas ainda não foi daquela vez.

Moreira da Silva começou a lentamente reconstruir sua carreira no início dos anos 1950, quando Jorge Veiga foi passou da Rádio Tupi para a Rádio Nacional, abrindo uma vaga para Moreira. Ainda na década de 1950, mais precisamente em 1954, tentou carreira política, candidatando-se a vereador do Distrito Federal (RJ), mas recebeu pouco menos de 400 votos. Em 1958, completou 32 anos de carreira no funcionalismo público e se aposentou como “encarregado de garagem”. Em dado momento, a empresa Odeon convidou-o para gravar um disco com antigos sucessos, que foi editado com o nome O Último Malandro. O Long Play renovou sua carreira, levando-o de volta às rádios e aos programas de televisão e rendendo um prêmio de Disco de Ouro, entre outros. A amizade com o poeta e radialista Miguel Gustavo começa nesta fase. Contudo, a chegada da bossa nova e da Jovem Guarda tiraram seu lugar praticado e de outros sambistas. Seu último disco, Moreira da Silva, o Tal Malandro, vendeu 1,5 mil cópias, resultado que levou a Odeon a colocá-lo de lado como artista. Contrariado pela relutância da gravadora em lançar um disco, Moreira rescindiu seu contrato e foi para a Cantagalo, por meio da qual lançou os discos O Sucesso Continua e Manchete do Dia.

Aproveitando os contatos e a sua fama profissional dentro da Philips, Ademar Casé sugeriu a Vitoriano Augusto Borges, diretor da Rádio Philips, o aluguel de um horário explicando que essa nova experiência seria ainda melhor e mais dinâmica do que o “Esplêndido Programa,” de maior sucesso transmitido pela Rádio Mayrink Veiga. O Programa Casé estreou às oito horas da noite de 14 de fevereiro de 1932, e se tornou um grande sucesso. Contudo, a Rádio Philips foi desativada em 1936 pela organização holandesa, forçada por uma legislação governamental, que criava embaraços para uma emissora com suas características, tendo como principal objetivo, divulgar os produtos fabricados e comercializados pela Philips do Brasil, conforme descreve Reinaldo C. Tavares em seu livro Histórias que o Rádio Não Contou (2014). Rafael Casé, outro neto de Ademar, escritor de Programa Casé - O Rádio Começou Aqui, no entanto, descreve outra versão: - A Philips era a única emissora carioca a atingir São Paulo e, por não apoiar a Revolução Constitucionalista de 1932, passou a enfrentar boicote paulista a seus aparelhos. Como a emissora nascera para ajudar a promover os produtos Philips e não para prejudicá-los, a direção da multinacional decidiu vendê-la. A emissora foi oferecida a Casé, mas este não dispunha dos cinquenta contos de réis necessários para a compra. Foi encampada pelo grupo do jornal A Noite, Noite Ilustrada e Revista Carioca e transformada na famosa Rádio Nacional, sendo seus estúdios instalados na Praça Mauá nº 7, edifício A Noite.

A Revolução Constitucionalista de 1932, reconhecida como Revolução de 1932, ou Guerra Paulista, representou o movimento armado ocorrido nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, entre julho e outubro de 1932, que tinha por objetivo derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. O golpe de Estado decorrente da Revolução de 1930 derrubou o presidente da República, Washington Luís; impediu a posse do seu sucessor eleito nas eleições de março de 1930, Júlio Prestes (1882-1946); depôs a maioria dos presidentes estaduais; fechou o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas Estaduais e as Câmaras Municipais; e, por fim, cassou a vigente Constituição de 1891. Getúlio Vargas, candidato derrotado nas eleições presidenciais de 1930 e um dos líderes do movimento revolucionário de 1930, assumiu a presidência do governo provisório nacional em novembro com amplos poderes, colocando fim ao período denominado República Velha e à “política do café com leite”, de revezamento das províncias de São Paulo e Minas Gerais se alternavam na indicação do presidente da República, impedindo que o cargo do Poder Executivo fosse ocupado por um representante economicamente determinante, como ocorria com as economias do Rio Grande do Sul e Pernambuco. Havia o compromisso de convocação de eleições e formação da Assembleia Nacional Constituinte para a promulgação de nova Constituição. Mas nos anos subsequentes essa expectativa deu lugar a um sentimento de frustração e indefinição quanto ao cumprimento dessas promessas políticas, acumulada ao ressentimento contra o governo provisório, principalmente no estado de São Paulo.



 Esse ressentimento era motivado pelo fato político de Getúlio Vargas governar de forma discricionária por meio de Decretos, sem respaldo de uma Constituição e de um Poder Legislativo. Essa composição autoritária fez também diminuir a autonomia que os estados brasileiros gozavam durante a vigência da Constituição de 1891, pois os interventores indicados pelo grupo de Getúlio Vargas, em sua maioria tenentes, não correspondiam aos interesses dos políticos regionais. Para São Paulo foi designado o tenente João Alberto Lins de Barros, a quem os oligarcas paulistas tratavam pejorativamente como “forasteiro e plebeu” ou ainda por “o pernambucano”. Outro revés foi a grave crise econômica em consequência da Grande Depressão de 1929, que derrubou os preços internacionais do café, arruinando a oligarquia paulista. Foi a primeira grande revolta contra o governo de Vargas. O levante armado começou em 9 de julho de 1932, precipitado pela revolta popular após a morte de quatro jovens por tropas getulistas, em 23 de maio de 1932, durante um protesto contra o governo federal. Após a morte desses jovens, foi organizado um movimento clandestino denominado MMDC, relativo aos nomes dos quatro jovens mortos: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, que começou a conspirar contra o governo provisório, articulando junto com outros movimentos políticos uma revolta substancial. Houve também uma quinta vítima, Orlando de Oliveira Alvarenga, baleado naquele dia no mesmo local, mas morreu meses depois. Nos meses precedentes ao movimento, o ressentimento contra o presidente ganhava força indicando uma possível revolta armada e o governo provisório passou a especular a hipótese de o objetivo dos revoltosos ser a secessão de São Paulo do Brasil.

 No entanto, o argumento separatista jamais foi comprovado fidedigno, porém, ainda assim, esse argumento foi utilizado na propaganda do governo provisório ao longo do conflito para instigar a opinião pública do restante do país contra os paulistas, obter voluntários na ofensiva contra as tropas constitucionalistas e ganhar aliados políticos nos demais estados contra o movimento de São Paulo. Atualmente, o dia 9 de julho, que marca o início da Revolução de 1932, é a data cívica mais importante do estado de São Paulo e feriado estadual. Os políticos paulistas consideram a Revolução Constitucionalista como sendo o maior movimento cívico de sua história. A história social e política, inscreveu os nomes de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo heróis paulistas da Revolução de 1932, no Livro dos Heróis da Pátria. No total, foram 87 dias de combates, de 9 de julho a 4 de outubro de 1932, sendo os últimos dois dias depois da rendição paulista. Ocorreu um saldo oficial de 934 mortos, embora estimativas, não oficiais, reportem até 2 200 mortos, sendo que numerosas cidades do interior do estado de São Paulo sofreram danos devido aos combates. Apesar da derrota militar do movimento, algumas de suas principais reivindicações foram obtidas posteriormente, por exemplo, com a nomeação de um interventor civil e paulista, a convocação de uma Assembleia Constituinte e a promulgação de uma nova Constituição em 1934. No entanto, essa Constituição teve curta duração, pois em 1937, Vargas fechou o Congresso Nacional, cassou a Constituição vigente e outorgou uma nova Constituição, justificando tais medidas a um suposto extremismo de movimentos políticos. Foi estabelecido o regime ditatorial do Estado Novo que perdurou até 1945, ano em que o ditador foi deposto por um grupo militar de antigos aliados composto por generais.

No mesmo ano, em 1937, pela Columbia, Moreira da Silva lançou mais um sucesso: “Implorar”, escrita por ele em parceria com Kid Pepe e J. Gaspar, a convite do diretor artístico da Rádio Mayrink Veiga César Ladeira, foi para a emissora por um salário de quinhentos mil-réis, equivalentes hoje a R$ 5.400,00, juntando-se a Francisco Alves, Carmen e Aurora Miranda, Gastão Formenti, João Petra de Barros, Patrício Teixeira, Mário Reis, Jorge Fernandes, Cyro Monteiro, Eriberto Muraro, José Maria de Abreu, Nonô, entre outras estrelas da rádio. Em 1939, a convite do fadista Manuel Monteiro, foi se apresentar em Portugal, o que lhe rendeu uma participação social importante no filme A Varanda dos Rouxinóis, de José Leitão de Barros, estreou 19 de dezembro de 1939 no cinema Tivoli. Sinopse: O idílio de Madalena e Eduardo, naturais de Alcobaça, do concelho de Alcobaça, no distrito de Leiria, Portugal, é interrompido quando, num dia de festa, ele é convidado para corredor profissional de bicicleta, ou ciclista, ela para ser atriz na capital. Moreira da Silva ficou no país europeu por três meses. Antes de prosseguir sua viagem para Portugal, se desligara da rádio Mayrink Veiga. Além disso, por ter ficado três meses fora do país, não gravou profissionalmente nenhum disco e sua execução nas rádios caiu. Entre 1938 e 1939, gravou várias músicas pela Odeon e Columbia, mas nenhuma delas com sucesso. Ipso facto, a Rádio Nacional não renova contrato e “somente um cachê simbólico por apresentações esporádicas”.

Em 1940, ele tentou o normalizar a carreira com dois discos, novamente sem sucesso. Em 1942, após curta temporada em Salvador, Moreira tentou o sucesso novamente “comprando uma composição: “Lembranças da Bahia”, para a qual constou como coautoria de Geraldo Pereira, mas ainda não foi daquela vez”. Moreira da Silva começou a reconstruir lentamente sua carreira no início dos anos 1950, quando Jorge Veiga passou da Rádio Tupi para a Rádio Nacional, abrindo uma vaga para Moreira. Em 1954, tentou carreira política, candidatando-se a vereador do Distrito Federal (RJ), mas recebeu pouco menos de 400 votos. Em 1958, completou 32 anos de carreira no funcionalismo público e se aposentou como “encarregado de garagem”. Em dado momento, a Odeon o convidou a gravar um disco com antigos sucessos, que saiu com o nome O Último Malandro. O LP renovou sua carreira, levando-o de volta às rádios e rendendo um prêmio de Disco de Ouro, e outros. A amizade com o poeta e radialista Miguel Gustavo começa nesta fase de transição para a televisão. A Bossa Nova e a Jovem Guarda tiraram espaço dos diversos sambistas. Seu disco, Moreira da Silva, o Tal Malandro, vendeu 1,5 mil cópias, o que levou a Odeon a colocá-lo de lado como artista. Contrariado pela relutância da gravadora em lançar um disco autoral, Moreira rescindiu seu contrato e em Cantagalo,  lançou os discos O Sucesso Continua e Manchete do Dia

No Brasil desde a queda da ditadura do Estado Novo, em 1945, e a ascensão do populismo que permeou os governos que se sucederam hic et nunc até o golpe de Estado de 1° de abril de 1964, a sociedade brasileira havia mudado substancialmente, tornando-se complexa e diversificada econômica e politicamente. A industrialização e o crescimento da população urbana, somados à legislação trabalhista varguista e ao fortalecimento de sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais rurais e urbanos, favoreceram a mobilização e a radicalização em torno de propostas nacionalistas, anti-imperialistas, e de reformas de base, tais como a urgentíssima reforma agrária no Brasil. Os processos de transição política e consolidação democrática no Brasil podem ser considerados um excelente laboratório de Ciência Política, tanto pela longue durée, como pela variedade dos eventos que marcam tal período da história brasileira recente. Em 1945, o debate intelectual girava em torno da democratização. Foi o nacionalismo que forneceu, de fato, a trama da vida política, um nacionalismo aparentemente sem nenhuma relação, á primeira vista, com o período 1925-40. A nação estava constituída em torno de seus interesses econômicos, de sua cultura e vontade política. Ela se experimenta a si mesma, afirmando-se dia a dia contra as nações dominantes.

O sentimento de identidade é substituído pelo de confronto; o avento do povo como sujeito político liga-se à sua mobilização a serviço da soberania nacional. Dois episódios marcam simbolicamente a conjunção do nacionalismo com a participação popular: a campanha que culminou na criação da Petrobrás, a companhia nacional de petróleo, em outubro de 1953, e a emoção desencadeada pelo suicídio de Getúlio Vargas. A campanha “O petróleo é nosso” propiciou a convergência de diversos setores nacionalistas que se colocavam contra o projeto inicial apresentado por Vargas. A morte selou, assim, a fusão do povo com a nação. O getulismo torna-se um mito (pessoa) quanto ideário fundador. Estes foram os anos articulados economicamente em torno do amálgama do chamado desenvolvimentismo brasileiro. Em 1953, os cariocas do grupo Itatiaia fundaram um instituto particular, Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política, o IBESP, tendo como secretário-geral Hélio Jaguaribe e do qual fizeram parte os economistas e sociólogos. Em 1955, a ele se agregaram Juvenal Osório Gomes e Nelson Werneck Sodré, militar de carreira, ligado à corrente nacionalista do general Newton Estillac Leal. Dos paulistas do grupo Itatiaia, só Roland Corbisier entrou para o novo Instituto. Esta irá publicar a revista Cadernos de Nosso Tempo entre 1953 e 1956 que irá elaborar um diagnóstico da sociedade brasileira. A morte política de Getúlio Vargas e sua substituição provisória por Café Filho, sustentado pelos antigetulistas, transformou-se num instituto oficial autônomo, mas vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, devido ao apoio do titular desse Ministério, Cândido Motta Filho, sem ter jamais aderido ao Integralismo, foi um simpatizante deste movimento reacionário, tendo participado em 1932 da Sociedade de Estudos Políticos de São Paulo, primeira etapa para a origem da Ação Integralista.     

Hélio Jaguaribe (1923-2018) continuou como o verdadeiro dinamizador do Instituto, ainda que, devido às suas responsabilidades no setor privado, não ocupasse a sua direção, atribuída a Corbisier. Foram criados os departamentos de filosofia, história, economia, sociologia e ciência política, colocados sob a responsabilidade de Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes, Ewaldo Correia Lima, Guerreiro Ramos e Hélio Jaguaribe. Foi instituído um Conselho de Tutela, no qual participava Anísio Teixeira, Ernesto Luiz de Oliveira Júnior, Hélio Burgos Cabral, Hélio Jaguaribe, José Augusto de Macedo Soares, Nelson Werneck Sodré, Roberto Campos e Rolando Corbisier. A construção da capital Brasília (DF), de um lado, e o lançamento da indústria automobilística confiada a firmas estrangeiras, de outro, revelam as oscilações de um governo que, lança as bases do que logo foi batizado como “capitalismo associado”. A partir de 1959-60, a cisão vai se exacerbando. Frente aos nacionalistas que, durante o governo João Goulart, acreditaram vencer com a concretização das “reformas de base”, a maior parte dos industriais, exportadores e grandes proprietários fundiários se organizam para influir sobre a opinião pública. Apoiados pela maioria dos grandes jornais estão na origem da criação, em 1959, de fundações ideológicas mediadas institucionalmente como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática e a Ação Democrática Popular que propagavam o anticomunismo e as campanhas eleitorais de candidatos “confiáveis”. Na linguagem da esquerda, a oposição entre os “nacionalistas” e “entreguistas” comandava então o sentido nacional da vida política. Tudo o que pretendiam os “intelectuais orgânicos” do ISEB era formular o sentimento de massas. 

A tese central do “nacionalismo desenvolvimentista” tem como representação social o desenvolvimento econômico e a consolidação da nacionalidade constituindo dois aspectos do mesmo processo emancipatório. O desenvolvimento dependeria, assim, de uma consciência nacional mobilizada em torno de uma vontade no plano global de desenvolvimento. Na esfera cultural, a retórica do início dos anos 1960, de corte tanto de direita como de esquerda, para lembrarmo-nos da ciosa interpretação de Norberto Bobbio, foi demarcada pelo uso corrente das categorias sociais “povo” e “nação”, ou nacional- popular. Os movimentos de esquerda no caso emblemático do Centro Popular de Cultura (CPC), além do discurso anti-imperialista adotaram também uma postura vanguardista, baseada na premissa de que a autêntica cultura popular revolucionária é aquela produzida por artistas e intelectuais que optaram pelo povo - enquanto a cultura do povo era considerada arcaica e atrasada. A coleção Cadernos Brasileiros e a Revista Civilização Brasileira, editadas por Ênio Silveira, e a História Nova, organizada por Nelson Werneck Sodré, sugerem a intensa colaboração entre o ISEB e o CPC.

Do ponto de vista técnico o quadro administrativo do ISEB era formado por três órgãos: o Conselho Consultivo, de orientação geral composto por 50 membros, designados pelo MEC; o Conselho Curador, órgão de direção, com a assistência do Conselho Consultivo e composto por oito membros, também designados pelo Ministério da Educação e Cultura; a Diretoria Executiva, exercida por um diretor eleito pelo Conselho Curador, além de cinco departamentos. Com o golpe político-militar de 1º de abril de 1964 é aberto um Inquérito Policial Militar do ISEB. Desse IPM foram destacados dois pontos que, na visão dos militares participantes do golpe, comprometiam politicamente o ISEB tomado como uma “organização determinada por Moscou”. Por um lado, publicou-se no Instituto folheto esclarecedor acerca da vigência do regime parlamentarista com o plebiscito realizado em 1961, a partir da renúncia de Jânio e que veio limitar os poderes decisórios de João Goulart. Por outro lado, o ISEB cometeu o erro de ter realizado cursos e conferências em entidades estudantis e sindicais. O primeiro ato de Ranieri Mazzilli foi sua extinção pelo Decreto n° 53884 de 13 de abril de 1964. A totalidade concreta instituição já é, portanto, fruto de um trabalho de abstração ou, se se prefere, fruto de um trabalho de produção de um objeto de pensamento. Mas a constituição de uma totalidade concreta é muito pouco para um trabalho teórico, segundo determinantes da teoria.

Isto significa que, se se quiser fugir de uma terminologia essencialista, será necessário entender que uma proposição do tipo a escola é um sistema de reprodução da ideologia dominante refere-se à totalidade empírica escola, não mais a este ou aquele estabelecimento, totalidade esta cuja pertinência interpretativa se à sua análise em termos de aparelho ideológico de Estado – uma entidade teórica designa sempre uma propriedade que, se é observável, pode ser interpretada em termos de propriedades empíricas de uma totalidade, jamais em termos de totalidades enquanto tais. O engano de nomeá-las, multiplicando suas propriedades exaustivamente, levaria no máximo à elaboração de um extenso catálogo de nomes, uma confusão entre o plano de análise (teoria) e o plano da realidade, jamais à produção de conhecimento. Por onde surge a categoria da totalidade, desaparece o rigor científico.  Três dias após o golpe político-militar de 1964, foi decretada a extinção do ISEB seguido da instauração um inquérito policial-militar (IPM) para apurar suas “atividades”. Diretores e professores do Instituto foram investigados extrajudicialmente e alguns de seus pensadores, como Álvaro Vieira Pinto tiveram que sair do país, compulsoriamente para o exílio. Entre o escol composto pelos membros do ISEB estavam: Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier, Alberto Guerreiro Ramos, Nelson Werneck Sodré, Antônio Cândido, Wanderley Guilherme dos Santos, Cândido Mendes, Ignácio Rangel, Álvaro Vieira Pinto e Carlos Estevam Martins tendo como colaborador Celso Furtado, Gilberto Freyre e Heitor Villa Lobos.

Entre os membros ilustres, em oposição assimétrica, podemos citar Miguel Reale e Sérgio Buarque de Holanda. Entre seus alunos mais destacados, inclui-se o ativista afro-brasileiro Abdias Nascimento. O instituto surgira em 1955, por decreto do presidente da República, João Café Filho. Criado e regulamentado por Juscelino Kubitschek (1902-1976), o Instituto Superior de Estudos Brasileiros projetou-se como centro formulador de uma ideologia desenvolvimentista no país. Também sobressaiu enquanto concepção de cultura como elemento impulsionador de transformações socioeconômicas e de fixação de identidades nacionais. Este Centro de Altos Estudos nascia com liberdade de opinião e de cátedra e se constituía, nos primeiros anos num quadro de pensadores heterodoxos. Sua origem institucionalizava um debate sobre o desenvolvimento econômico, político e social que já existia no Brasil desde a década de 1940, mas que a universidade, incipiente, aparentemente não perfazia. O instituto emergia dentro dos quadros orgânicos do Ministério da Educação, com uma função e com um conteúdo de sentido claro: deveria produzir pesquisas e análises que contribuíssem para a definição de um projeto nacional de desenvolvimento econômico, político e social. Existiu um pensamento social e o Instituto pretendeu realizar práticas sociais em torno de intelectuais que não expressavam a mesma linguagem e nem mesmo o “único receituário de orientação para suas opções políticas”.

Em 1976, fez um show com Jards Macalé descrito como antológico por quem o assistiu. No ano seguinte, a dupla Macalé-Moreira da Silva juntou-se ao Projeto Pixinguinha e excursionou por diversas capitais estaduais do Brasil. A história do Projeto Pixinguinha começa em 1977, no mesmo ano de criação da Fundação Nacional de Artes, a Funarte. Idealizado pelo poeta e produtor Hermínio Bello de Carvalho, o Projeto foi originalmente proposto pela Sombras, sociedade arrecadadora de direitos, do qual Hermínio era vice-presidente, à recém-criada Funarte, que desde àquela época é responsável por sua realização. Fazendo circular pelo Brasil espetáculos de música brasileira que reuniam duas ou três atrações, sempre a preços populares, o Projeto Pixinguinha tinha como inspiração o Projeto Seis e Meia, que desde 1976 lotava o Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, com espetáculos acessíveis e um horário que coincidia com o fim do expediente da população que circulava pelo Centro da cidade. Através do Projeto Pixinguinha, diversas cidades brasileiras puderam assistir a espetáculos de artistas, como Cartola, Jackson do Pandeiro e Marlene, os iniciantes Marina Lima, Djavan e Zizi Possi e ainda Edu Lobo, João Bosco, Nara Leão, Paulinho da Viola, Alceu Valença e muitos outros.

Todos contribuíram para que a iniciativa fosse um sucesso, com teatros repletos pelo país e desdobramentos como discos e programas de televisão e rádio. O Cedoc-Funarte possui registro catalogado dos mais de 30 anos de história do Projeto Pixinguinha, incluindo gravações de inúmeros shows e um acervo de notícias de jornal de todos os cantos do Brasil, borderôs diversos, notas contratuais, programas dos shows, liberações da Censura, memorandos, balanços e relatórios anuais, entre documentos fundamentais. Moreira da Silva participou do histórico disco de Chico Buarque de Holanda, a Ópera do Malandro, de 1979, fazendo dueto com o próprio Chico. Em 1992, foi tema do enredo da Escola de Samba Unidos de Manguinhos. Em 1995 gravou Os 3 Malandros in Concert com Dicró e Bezerra da Silva, aos 93 anos de idade. Em 1996, foi tema do livro Moreira da Silva - O Último dos Malandros. Com 98 anos de idade se apresentava em shows. Nos anos 1990, vivendo sua centésima década de vida, Moreira tinha apenas 10% da visão no olho direito, tomado pela catarata. Realizou uma operação para resolver o problema, mas logo teve de operar também a próstata. Sofrendo de insônia, passa a tomar lorax, o que o deixa debilitado ao longo do passar do dia. Mesmo assim, seguiu fazendo shows até uma nova operação afastá-lo dos palcos por cinco meses. Seu último espetáculo acabou sendo uma homenagem à vida feliz na cidade que ele próprio viveu: Os 3 Malandros in Concert. Em 29 de abril de 2000, Kid Morengueira levou um tombo em casa e foi para uma clínica particular, sendo depois levado ao Hospital dos Servidores do Estado, no Rio de Janeiro. O cantor morreu na manhã de 6 de junho de falência múltipla de órgãos.

Bibliografia geral consultada.

PITT-RIVERS, Julien, Anthropologie de l`honneur. Paris: Editeur Le Sycomore, 1983; LARGMAN, Esther, Jovens Polacas: Da Miséria na Europa à Prostituição no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1993; SANDRONI, Carlos, “La Samba à Rio de Janeiro et le Paradigme de l`Estácio”. In: Cahiers de Musiques Tradicionalles, (10) 1997; pp. 153-168; WENGER, Etienne, Comunidades de Práctica: Aprendizaje, Significado e Identidad. Barcelona: Ediciones Paidós, 2001; QUINTELA, Maria Alcina, O Lugar das Festividades Religiosas no Espaço Urbano do Rio de Janeiro (1830-1910). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005; VINCENT, Isabel, Bertha, Sophia e Rachel: A Sociedade Verdadeira e o Tráfico de Polacas nas Américas. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Relume Dumará, 2006; ANDRADE, Rubens, Projeto de Lei nº 890/2006 da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Estabelece que o Viaduto 31 de março, passa a denominar-se Viaduto Moreira da Silva. Plenário Teotônio Vilela, 25 de junho de 2006; FRIDMAN, Fania, Memórias de um Bairro Judeu no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editor Casa da Palavra, 2007; RIBEIRO, Paula, Cultura, Memória e Vida Urbana: Judeus na Praça Onze, no Rio de Janeiro (1920-1980). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História Social. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008; IAROCHINSKI, Ulisses, Polaco – Identidade Cultura do Brasileiro Descendente de Imigrantes da Polônia. Polaco ou Polonês? Curitiba: Edição do Autor, 2010; TAVARES, Reynaldo, Histórias que o Rádio Não Contou. 1ª edição.  São Paulo: Paulus Editora, 2014; PORTES, Isabelle dos Santos, O Último Malandro em Síncope: Imaginação Social, Malandro e Cidadania nas Canções de Moreira da Silva (1930-1945, 1951-1954). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Comparada. Instituto de História. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014; BORGES, Raphael Péricles, Uma Cocada Nem Sempre é Apenas uma Cocada: Bezerra da Silva  e a Fabricação do ´Malandro Rife` (1980-1986). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2015; MORAES, Robson Batista, Reflexões sobre a Questão Étnico-racial e Representações da Cultura Afro-brasileira na Prova Oral do Exame Celpe-Bras. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura. Instituto de Letras. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2021; entre outros.