A
interpretação da compreensão mediana sobre William Shakespeare do ser só
pode conquistar um fio condutor com a elaboração do conceito. É a partir da
claridade do conceito e dos modos de compreensão explícita nela inerentes que
se deverá decidir o que significa essa compreensão. Quer do ser obscura e ainda
não sendo esclarecida. E quais espécies de obscurecimento ou impedimento, são
possíveis e necessários para um esclarecimento explícito do sentido do ser. A
imediata compreensão do ser vaga e mediana pode também estar impregnada de
teorias tradicionais e opiniões sobre o ser, de modo que tais teorias
constituam, secretamente, e, portanto, fontes primárias de compreensão geral
dominante. O questionado da questão a ser elaborada presente é o ser, o que
determina o ente como ente, como o ente já é sempre compreendido, em qualquer
discussão que se pretenda. O ser dos entes não é em si apenas um Outro. O ser
exige um modo próprio de demonstração na linguagem que se distingue da
descoberta. Acentua compreender que o perguntado, o sentido do ser, requer uma
conceituação própria que, por sua vez, se diferencia dos conceitos em que o
ente alcança a determinação de seu significado. As ideias movem-se, mudam de
lugar, ganham força na história, constroem-se e desconstroem -se, apesar das
formidáveis determinações internas e externas globais.
O
conhecimento transforma-se, progride, regride. Crenças e teorias renascem;
outras, antigas, morrem. A primeira condição de uma dialógica cultural é a
pluralidade e diversidade de pontos de vista. Essa diversidade cultural é
potencial e está em toda parte. Toda sociedade comporta indivíduos genética,
intelectual, psicológica e afetivamente muito diverso, apto, portanto, a outros
pontos de vista cognitivamente muito variados. São, justamente, essas
diversidades de pontos de vista culturais e políticos que inibem e a
normalização reprime. Do mesmo modo, as condições sociais ou acontecimentos
aptos a enfraquecerem o imprinting, segundo Edgar Morin, e a normalização
permitirão às diferenças individuais exprimirem-se no domínio cognitivo. Essas
condições de fato aparecem nas sociedades que permitem o encontro, a
comunicação e o debate de ideias. A dialógica cultural supõe o comércio,
constituído de trocas múltiplas de informações, ideias, opiniões, teorias; o
comércio das ideias é tanto mais estimulado quanto mais se realizar com ideias
de outras culturas do passado. O intercâmbio das ideias sociais produz
historicamente no âmbito da formação social o enfraquecimento dos dogmatismos e
intolerâncias religiosas, o que resulta no próprio crescimento humano.
Comporta
neste aspecto dinâmico, a competição, a concorrência, o antagonismo, o conflito
social, moral e político, entre ideias, concepções e visões de mundo. A
trivialização do conhecimento não faz produto do conhecimento apenas um produto
determinado, faz também dele um produto qualquer. Mas as ideias podem tornar-se
ideológicas na medida em que sua estrutura obedece às estruturas
socioprofissionais, sua produção integra-se entre os outros processos de
produção e a cultura torna-se cognoscível a partir das categorias econômicas do
capital e do mercado. Mas nem a informação, nem a teoria, nem o pensamento
abstrato, nem a cultura são produtos triviais, ainda que mais não seja pelo
fato de serem, ao mesmo tempo, produtos/produtores e, mesmo comportando
hologramaticamente a dimensão socioeconômica, não poderiam ser reduzidas a
isso. A redução trivializante não teme exercer-se como sujeito sobre o
conhecimento científico. Este nível abstrato como qualquer outro é apropriado
pelo pensamento, como a religião e através da ciência, com suas relações de
força e monopólios, lutas e estratégias, seus interesses e seus ganhos.
Mas,
por seu lado, os estudos de etnografias dos laboratórios, estes que parecem ter
dinamismo, demonstram-nos como se estabelecem mediações, em função de posições,
ou status, as lutas e a utilização de alguns truques diabólicos pelo
reconhecimento per se, pelo prestígio ou pela glória, com as negociações
necessárias ao estabelecimento de uma prova, os ritos de passagem na pesquisa e
na universidade. A motivação primeira do cientista é a notoriedade. Mas não se pode reduzir o interesse
científico ao interesse econômico, a vontade de pesquisar ao desejo de
prestígio, a sede de conhecimento à sede de poder, em alguns casos terrenos
sim. A sociologia não pode ser considerada uma concepção que exclui o indivíduo
ou que, no máximo, o tolera. É uma concepção humanista, mas que deve implicá-lo
e explicitá-lo. Sobre a aquisição do conhecimento pesa um formidável determinismo.
Ele nos impõe o que se precisa conhecer, como se deve conhecer, o que não se
pode conhecer. Comanda, proíbe, traça os rumos, estabelece os limites, ergue
cercas de arame farpado e conduz-nos ao ponto onde devemos ir.
E
também que conjunto prodigioso de determinações sociais, culturais e históricas
é necessário para o nascimento da menor ideia, da menor teoria. Não bastaria
limitarmo-nos a essas determinações que pesam do exterior sobre o conhecimento.
É necessário considerar, também, os determinismos intrínsecos ao conhecimento,
que são, segundo Edgar Morin, muito mais implacáveis. Em primeiro lugar,
princípios iniciais, comandam esquemas e modelos explicativos, os quais impõem
uma visão de mundo e das coisas que se governam/e controlam de modo imperativo
e proibitivo a lógica dos discursos, pensamentos, teorias. Ao organizar os
paradigmas e modelos explicativos associa-se o determinismo organizado dos
sistemas de convicção e de crença que, quando reinam em uma sociedade, impõem a
todos a força imperativa do sagrado, a força normalizadora do dogma, a força
proibitiva do tabu. As doutrinas e ideologias dominantes nas sociedades dispõem
também da força imperativa e coercitiva que evidencia aos convictos e o temor
inibitório aos desalmados. A partir deste fundamento, compreendemos que ordem,
desordem e organização são essenciais para o entendimento da questão da
complexidade, pois se desintegram e se desorganizam ao mesmo tempo.
Nesse
entendimento, constata-se que o sentido da realidade se dá por meio da relação
do todo com as partes e vice e versa em uma análise integradora em que não é
pertinente examinar o fenômeno a partir de uma única matriz de racionalidade. A
desordem torna-se indispensável para a organização social da vida humana, pois
a sociedade é dependente de acontecimentos/fatos que possam modificar a ordem
já estabelecida para gerar novos meios de organização entre os sujeitos. Há um imprinting
cultural, matriz que estrutura o conformismo, e há uma normalização que o
impõe. O imprinting é um termo que Konrad Lorentz propôs para a marca
incontornável pelas primeiras experiências do jovem animal, como o passarinho
que, ao sair do ovo, segue como se fosse sua mãe, o primeiro ser vivo ao seu
alcance. Há, certamente, um imprinting cultural que marca os humanos,
desde o nascimento, com o selo da cultura, primeiro familiar e depois a escola,
prosseguindo na universidade ou na profissão. Contrariamente à orgulhosa
pretensão dos intelectuais e cientistas, o conformismo cognitivo não é de modo
algum uma marca de subcultura que afeta principalmente as camadas subalternas
da sociedade. Os subcultivados sofrem um imprinting e uma
normalização atenuados e há mais opiniões pessoais diante do balcão de café do
que num coquetel literário.
Embora contrariados em contradição com seu desenvolvimento liberal intelectual que permite a expressão de desvios e de ideias e formas escandalosas, o imprinting e a normalização crescem paralelamente com a aquisição real da cultura. O imprinting cultural determina à desatenção seletiva, que nos faz desconsiderar tudo aquilo que não concorde com as nossas crenças, e o recalque eliminatório, que nos faz recusar toda informação inadequada às nossas convicções, ou toda objeção vinda de fonte técnica considerada ruim. A normalização manifesta-se de maneira repressiva ou intimidatória. Cala os que teriam a tentação de duvidar ou de contestar. A normalização, portanto, com seus subaspectos de conformismo, exerce uma prevenção contra o desvio e elimina-o, se ele se manifesta. Mantém, impõe a norma do que é importante, válido, inadmissível, verdadeiro, errôneo, imbecil, perverso. Indica os limites a não ultrapassar. As palavras que não devem proferir. Os conceitos a desdenhar, as teorias a desprezar. O imprinting assimila a perpetuação dos modos de conhecimento e verdades estabelecidas. Obedece a processos de tribunais: uma cultura produz modos de conhecimento entre os homens dessa própria cultura. Através do seu modo de conhecimento, reproduzem a legitimidade que produz esse conhecimento. As crenças que se impõem são fortalecidas pela fé que as suscitaram. Então, se reproduzem não somente os conhecimentos, mas as estruturas e os modos reguladores que determinam a invariância desses conhecimentos.
Production Company: Inter-Allied Film Producers Ltd.
Audio/Visual: sound, black & white.
Keywords: Drama; Comedy; Romance; Elisabeth Bergner; Laurence Olivier.
Contact Information: www.k-otic.com.
Creative Commons license: Public Domain Mark 1.0.
Música: “Under the Greenwood Tree”, composta por Patrick Doyle.
Letra de William Shakespeare. Interpretada por Patrick Doyle e London Symphony Orchestra.
BARTON, Anne (ed.), The Tempest (New Penguin Shakespeare Series). Nova York: Penguin, 1968; SCHOENBAUM, Samuel, William Shakespeare: A Compact Documentary Life. Revised ed. Oxford: Oxford University Press, 1987; WELLS, Stanley, Shakespeare: A Life in Drama. Nova Iorque: Editor W. W. Norton, 1997; KERCKHOVE, Derrick de, A Pele da Cultura. Lisboa: Editor Relógio D’Água, 1997; BLOOM, Harold, Shakespeare: A Invenção do Humano. Nova York: Editor Riverhead, 1998; BLOOM, Harold, Shakespeare: A Invenção do Humano. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001; HOLDEN, Anthony, William Shakespeare. São Paulo: Ediouro, 2003; CARPEAUX, Otto Maria, Ensaios Reunidos. 1ª edição. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005; DONKIN, Andrew, William Shakespeare e seus Atos Dramáticos. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2006; FUJITA, Natália Giosa, “Algumas Observações sobre William Shakespeare por ocasião do Wilhelm Meister”, de August-Wilhelm Schlegel, “Resenha de Algumas Observações sobre William Shakespeare por ocasião do Wilhelm Meister, de August Wilhelm Schlegel”, de Friedrich Schlegel, “Sobre o Meister de Goethe”, de Friedrich Schlegel: Tradução, Notas e Ensaio Introdutório. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História da Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006; SILVA, Marcel Vieira Barreto, Adaptação Intercultural: O Caso de Shakespeare no Cinema Brasileiro. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2011; Artigo: “Historisches Spezialprogramm: Paul Czinner”. Festival des Österreichischen Films. Áustria: Província de Graz; 18-23 de março de 2014. In: http://www.diagonale.at/filmexil-paul-czinner/; CARNEIRO, Cesar Felipe Pereira, Recriações de Otelo nos Palcos Brasileiros: Do Globe Theatre ao Barracão Encena. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Setor de Ciências Humanas. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2015; entre outros.
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